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Sapatinho Vermelho e os Sete Anões (Red Shoes and the Seven Dwarfs – 2019)

A menção deste Sapatinho Vermelho e os Sete Anões remete imediatamente à enxurrada de produções de baixo orçamento que se seguiram ao sucesso de Shrek. Mas o longa animado tem um trunfo que coisas como Deu a Louca na Chapeuzinho não possuem. É uma produção completamente animada na Coreia do Sul.

Em Sapatinho Vermelho Branca de Neve (Chloë Grace Moretz) é uma jovem obesa que coloca os sapatos mágicos da madrasta enquanto procura pistas do pai desaparecido. Os calçados a transformam em, na descrição do Espelho Mágico (Patrick Warburton), a mulher mais bela do reino. Por isso, sete anões se esforçam para ajudá-la. Eles são, na verdade, sete guerreiros liderados pelo príncipe Merlin (Sam Claflin) enfeitiçados. Se beijados por uma mulher bonita, voltarão às formas humanas.

O título Sapatinho Vermelho e os Sete Anões deixa claro que é uma releitura do conto da Branca de Neve. Na tendência de contos de fada com humor anárquico, inúmeras referências populares transformam e satirizam valores antiquados dessas narrativas. Aqui, a brincadeira principal é com os conceitos de beleza da fábula que serve de base para o filme.

Revisão do que é beleza

A Branca de Neve deixa de ser uma mocinha a ser beijada para ser uma mulher decidida que sabe que precisa esconder as aparências para receber ajuda. Já os Anões deixam de ser coadjuvantes para se tornarem príncipes. E na interação dessas pessoas, há a reflexão sobre o que é a verdadeira beleza.

Para fazer isso, o diretor e roteirista, Sung-ho Hong, faz com que cada cena seja importante para essas interações entre os personagens principais. Enquanto a Branca de Neve mente sobre a própria beleza para que os anões queiram fazer o bem, eles mentem sobre o feitiço porque não querem que ela vincule a imagem deles com a condição em que estão presos.

Em um momento em particular, Merlin e um dos companheiros não a ajudam porque ela não está transformada. Como se uma mulher só merecesse atenção e apoio quando se adequa aos ideais deles. Há muita coisa dita nas entrelinhas de cada ação dos personagens. Isso devido a um roteiro com uma construção inteligente. O único problema é a sugestão de que a Branca de Neve é feia por ser obesa.

Uso esperto de recursos

Uma outra armadilha de filmes genéricos de animação é o humor pastiche. Normalmente, quando uma produção do tipo com baixo orçamento é lançada, ela vem recheada de piadas físicas metralhadas em um ritmo que tiram a graça. Hong consegue escapar disso ao fazer com que o humor venha principalmente dos diálogos entre os personagens.

Com a qualidade da dublagem nacional, essa comédia funciona ainda melhor. O dublador famoso Wendell Bezerra interpreta a versão brasileira de Merlin, e consegue dar para o personagem o peso necessário para o drama, a ingenuidade para os momentos estúpidos e a malícia para a comédia. Na versão em inglês, vale notar que o dublador veterano Nolan North faz várias vozes diferentes. O que deve ser um espetáculo a parte.

Hong também consegue outra façanha. Mesmo que a animação permita aos artistas quebrarem as leis das físicas, nenhuma das cenas de ação fogem das regras do mundo de Sapatinho Vermelho. Há, inclusive, uma sensação contínua de perigo quando os personagens precisam lutar ou correr por suas vidas.

Bastidores da produção

Além disso, Hung sabe aproveitar o que tem no orçamento de Sapatinho Vermelho. Ele diminui os cenários ao máximo para que o excesso de detalhe não tome tempo e nem dinheiro para a qualidade dos personagens. Quando um deles se transforma, o diretor esconde a transformação com cortes espertos para não aumentar o gasto com um efeito a mais.

Pioneirismo

Assistir a Sapatinho Vermelho é quase como testemunhar Toy Story pela primeira vez. A animação liderada por Hong é pioneira na técnica para a Coreia. Mas mesmo com essa experimentação, eles não abrem mão do mais importante, contar uma história com eficiência.

Há ainda um certo caminho para chegar ao padrão de qualidade atual da Dreamworks e da Disney. Mas a comparação é injusta nesse caso. Apenas por ser de outro país, Sapatinho Vermelho já tem uma pegada diferente do que está disponível nos cinemas. O orçamento menor também acarreta em problemas técnicos pequenos, como texturas lisas em personagens, roupas e ambientes.

Mas o que Hong e a equipe liderada por ele fazem com isso é impressionante. Mais um exemplo digno do cinema coreano, que se prova a cada ano como um dos melhores do mundo.

Sapatinho Vermelho e os Sete Anões

Prós

  • Roteiro subverte os padrões de beleza de contos de fada
  • Uso inteligente do orçamento

Contras

  • Padrão técnico aquém do atual
  • Sugestão de que pessoas obesas são feias

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