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A Garota Invisível – 2020

Quando há limites para uma produção, o lado mais criativo de vários realizadores dá a cara. Desde o cinema chinês que erguia câmeras com bambus por falta de gruas, até diretores como o Sam Raimi que amarrou câmeras em tábuas por falta de dinheiro. Agora, que as pessoas não podem se tocar, este A Garota Invisível volta-se para essa criatividade.

Ariana (Sophia Valverde) é esta garota invisível, uma adolescente inteligente, mas que passa desapercebida na escola. Quando descobre que a grande paixão dela, Khaleb (Guilherme Brumatti), terminou o namoro, ela acidentalmente se grava enquanto fantasia com um relacionamento com ele. O vídeo cai na internet e o garoto de repente fica interessado nela. Mas a ex dele, Diana (Mharessa Fernanda), não aceita.

Nada de novo para quem conhece clichês de comédias românticas. A Garota Invisível é bem honesto em não querer ser mais do que isso. O subgênero não precisa ser reinventado a cada filme que sai, mas mesmo os filmes mais superficiais têm mensagens. Elas podem ser um grande diferencial até mesmo na produção mais básica.

Estereótipos românticos

É preciso dizer que há mais um personagem fundamental para A Garota Invisível. Téo (Matheus Ueta), um nerd considerado estranho pelos outros, é o melhor amigo de Ariana. E também é apaixonado por ela. Vem então aquele velho contexto de aprender a dar valor ao que está ao lado. O que não é uma mensagem ruim, não fossem certas falas dele.

Porque Téo tem tanta certeza que é a melhor coisa que pode acontecer na vida de Ariana, que usa argumentos como: ela fez a escolha errada, ou que não o valorizou como ele merecia. É o tipo de mensagem que cria a infame cultura dos incels, em que homens acreditam que as mulheres devem ser gratas por eles serem legais, românticos e atenciosos.

A Garota Invisível

Não ajuda que o outro melhor amigo de Téo é Gohan, um boneco com quem ele conversa. Em certo ponto do filme, o brinquedo arranja um lanche para ele. O que indica que, ou o objeto está vivo e age fora de cena, ou o garoto tem algum nível preocupante de psicose. Dentro dessas bizarrices, A Garota Invisível ainda tem alguns outros elementos que afastam o espectador.

Diana é uma youtuber completamente maligna. No fim do segundo ato, ela faz algo ruim para Ariana e Téo. Mas não é coerente com os objetivos dela. Ela só quer voltar com o ex, não tem porquê destruir a vida de outras duas pessoas. Mas a linha moralista do filme parece exigir uma pessoa totalmente má para antagonizar pessoas totalmente boas.

Para fechar essa linha, o filme tem três cenas “musicais” aleatórias. Nenhuma tem importância para a trama ou a faz avançar. A impressão é que elas estão lá para promover os três cantores/atores que estão no filme. E como A Garota Invisível foi feito em esquema de quarentena, elas parecem clipes para Youtube, não momentos de musicais.

Estética clean até demais

Para fazer A Garota Invisível no momento atual, a história mostra a turma de Ariana em um período de férias de fim de ano. Como ela e Téo são inteligentes, eles estão em casa. Os outros personagens, de recuperação, têm aulas on-line para não precisarem ir para a escola. Pronto, todo mundo grava da própria casa e quase nunca ninguém se encontra.

Por mais que seja um filme pequeno e sem grandes pretensões, essa logística impressiona. Ainda mais que A Garota Invisível foi filmado e montado nos últimos 10 meses. Esse esforço leva a algumas qualidades narrativas surpreendentes. A melhor coisa de toda a duração é o primeiro encontro de Ariana com Khaleb.

A Garota Invisível

O espectador vê a preparação para o momento, e os dois personagens saindo de casa. Então, o ponto de vista passa para o Téo e a Diana, que buscam pistas do que aconteceu pelas redes sociais. É um jeito muito interessante e envolvente de acompanhar o desenvolvimento da história. O espectador só descobre completamente o que aconteceu depois dos eventos. Por isso, fica curioso e preso ao que está na tela.

A sequência remete a coisas como o que o Michelangelo Antonioni fazia em filmes como A Aventura. Esse tipo de referência surpreende ainda mais em uma produção de visual lavado. Todos os quartos e casas dos personagens têm os móveis e paredes mais limpos e organizados que a casa de qualquer adolescente. As roupas são coloridas e de saturação forte, assim como os cenários.

Da mesma forma, todos eles parecem acordar maquiados para fazer um book de modelagem, mesmo que estejam de férias em casa. A grande diferença nessa organização é o professor Chicão (Marcelo Várzea), que é um dos alívios cômicos por ser o único adulto de A Garota Invisível. Ou seja, aquela autoridade “véi paia”. Para realçar isso, ele tende a usar suspensórios e camisas sociais abotoadas até o pescoço com cores múltiplas. Claramente para remeter a um palhaço.

A Garota Invisível

Prós

  • Criatividade para resolver filmagem na pandemia
  • Momento em que a ação principal não acontece em cena

Contras

  • Moralismo reforça estereótipos
  • Personagens bons ou maus, sem zona cinza

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