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Baseado em Fatos Reais (D’après une Histoire Vraie – 2017)

Elle e Delphine se abraçam.jpg

Filmes como este Baseado em Fatos Reais são raros. Com temática fortemente baseada em um suspense psicológico, ele guarda inúmeros segredos na história que deixam várias dúvidas no ar. Não é difícil dizer que cada espectador pode ter uma conclusão completamente diferente ao fim da sessão.

É por isso que o momento de crise criativa da autora Delphine (Emmanuelle Seigner) gera tanta tensão. No processo de tentar arrumar uma nova história para o próximo livro, ela conhece Elle (Eva Green), uma mulher bela e misteriosa que vai mexer com a vida da escritora. Da troca inicial, a relação entre as duas começa a revelar como uma usa a outra.

Isso porque Elle não é apenas uma companhia íntima, mas um reflexo direto de Delphine. Ambas são escritoras, apesar da desconhecida trabalhar apenas como escritora de biografias de celebridades. As duas têm gostos parecidos, desejos e angústias similares e, em certa medida, até se parecem fisicamente.

Mas o diretor Roman Polanski deixa pequenas dicas visuais que dizem mais sobre essas semelhanças. Tudo na vida de Delphine relacionado com o trabalho e com a intimidade dela é tomado por tons azuis, enquanto Elle carrega algum adorno vermelho, mesmo que apenas nos batons ou no esmalte. Aos poucos, porém, as cores mudam de personagens.

Delphine assina livros
Delphine. Autora sem inspiração.

Também há pistas no fato de que Elle sempre está arrumada. Mesmo de manhã após acordar ou enquanto cozinha. Delphine até comenta sobre isso, mas parece não perceber essas pequenas evidências. As formas como ela entra e sai de cena, a falta de conhecidos ou parentes. Até quando a protagonista descobre que várias das coisas que Elle narrou para ela jamais aconteceram.

Alguém poderia dizer que tantos elementos deixam o mistério da relação entre as duas mulheres óbvio, mas a verdade é que são apenas características que podem ser lidas de diversas formas. Enquanto uma pessoa infere que Elle quer roubar a identidade de Delphine, outra poderia concluir que é a segunda quem quer roubar a história da vida da primeira. Da mesma forma, pode-se até assumir uma proposta metafísica. A resposta, no fim das contas, diz mais sobre o espectador que sobre o filme.

Tudo para discutir as origens da trama da produção, adaptada de um livro escrito pela autora Delphine de Vigan. Ao término, trata-se de um suspense divertido, em que as implicações de cada cena e reviravolta entretem tanto pelo perigo e pela tensão, como pela graça (proposital) de ver a protagonista se meter com Elle. O humor surge de frases e situações cotidianas, como o desconforto de ir a uma festa de aniversário em que nenhum outro convidado compareceu.

Elle observa pelo vidro da porta
Elle. Semelhanças demais com a aminimiga.

Por outro lado, essa construção questionadora sobre a própria narrativa se alonga demais. Especialmente no segundo ato, quando as duas personagens passam a viver juntas. Há todo um segmento de situações sobre as trocas entre as duas que, por mais que divirtam, parecem desnecessárias e criam uma barriga na montagem do filme.

A produção não teria metade do apelo e da força se não fosse pelas atrizes principais. Enquanto Emmanuelle parece quase sonolenta em cena com a falta de expressividade, o que condiz com a personalidade mais apagada de Delphine, Eva rouba todas as cenas com movimentos que realçam o corpo definido dela. A vivacidade da atriz realça as qualidades de Elle que despertam interesse e inveja na protagonista.

Ao término, Baseado em Fatos Reais é um suspense com doses divertidas de ironia sem final claro. O que é importante para que o espectador se questione sobre quase tudo o que viu. Construir uma explicação coerente para os eventos do filme é compreender mais sobre si mesmo, o que apenas torna a sessão mais atraente.

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