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Festa da Salsicha (Sausage Party – 2016)

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Eis uma brincadeira muito interessante e divertida: uma animação em computação gráfica adulta, cheia de palavrões e conteúdos sexuais. Não é necessariamente novidade. O Japão praticamente só faz animações adultas, assim como filmes antigos americanos como Heavy Metal: Universo em Fantasia e até Anomalisa foi uma revelação da mente do Charlie Kaufman. Mas feito por um grande estúdio para uma possibilidade maior de sucesso comercial, é novo.

O universo de Festa da Salsicha é comum a desenhos animados. Os produtos do mercado adoram os humanos que vêm comprá-los como deuses. A diferença está no uso do material explorado. Ao invés de terem uma aventura construtiva emocionalmente, os personagens do filme são analogias para repressão sexual devido a fundamentalismo religioso.

Os alimentos não sabem que, ao chegar na casa dos humanos, serão picotados, fritos, descascados, mastigados e todas as coisas que se faz com comida normalmente. Mas a salsicha Frank (voz do roteirista do filme, Seth Rogen) cai do carrinho de mercado junto da namorada baguete, Brenda (voz da Kristen Wiig). Agora os dois precisam voltar para as prateleiras para ter uma chance de serem levados ao “paraíso” da cozinha dos homens.

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Fazer a comida é quase como uma cena de horror.

A sacada de Rogen, como roteirista, é genial. Uma das primeiras palavras durante a produção (na versão dublada) é “porra”, proferida pelo protagonista. Pode parecer pouco, mas com frequência se ouvirá coisas como “vai tomar no cu”, “puta que pariu” e “filho da puta”. Não há meio termo ou falsas promessas, a ideia é ser proibido para crianças. Mas há um motivo para isso. Se fossem removidas todas as metáforas sexuais e os palavrões, os infantes não seriam capazes de compreender as analogias religiosas que o filme quer discutir.

Em determinado ponto do filme, o grupo de protagonistas se junta e é formado por um ateu, uma lésbica, uma bissexual, um judeu e um muçulmano. Não necessariamente dessas religiões e orientações sexuais, mas a analogia é óbvia. Trata-se de uma salsicha que deixou de acreditar nos deuses humanos, um pão que tem vontade de experimentar com alimentos dos gêneros feminino e masculino, um bagel kosher, um pão sírio e um taco atraído por outra comida do mesmo gênero. Tudo isso é muito bom. Especialmente quando os personagens discutem crenças. As brigas são tão tolas quanto ver cristãos discutir com ateus. Falta aos personagens a coisa óbvia: senso comum.

O problema é que este humor inteligente é ofuscado para que a comédia do filme seja toda sobre sexo e partes de corpos. É um problema porque a música de abertura faz rir muito porque é um momento típico de filmes infantis com piadas sobre penetração, palavrões e esfregações em seios e bundas. Mas a piada é repetida à exaustão e perde a graça com o tempo. Tanto que é impossível rir a partir de certo ponto. A música, diga-se de passagem, é do Alan Menken, que fez as trilhas de A Pequena Sereia, Aladin, A Bela e a Fera, Hércules, Pocahontas e O Corcunda de Notre Dame.

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Frank e Brenda só querem “transar”.

Felizmente, a discussão conduz a trama por conta própria. É interessante ver coisas animadas descobrirem que a religião as impedia de se satisfazer sexualmente. O conflito também dá conta do ritmo. É impossível prever o que vai acontecer. Até o clímax do filme, quando tudo é extrapolado além do nível da expectativa. Os estereótipos usados para construir uma reflexão viram uma mistura que permite perceber que todos os personagens são bissexuais, na verdade.

No elenco original, é possível encontrar estrelas como Michael Cera, James Franco, Bill Hader, Salma Hayek, Jonah Hill, Danny McBride, Edward Norton, Craig Robinson e Paul Rudd. Grande parte é do grupo padrão do Seth Rogen, mas é fascinante ver como eles encarnam esses estereótipos religiosos e regionais para zoar justamente com o preconceito. Infelizmente, na versão brasileira se perde todo o trabalho deles. Mas a dublagem é tão boa que sustenta bem. É até difícil ver algum problema de sincronia dos lábios com as vozes.

É quase uma antítese. O filme é uma comédia sobre sexo e palavrões que não faz rir, mas isso permite a ele ter uma mensagem muito boa sobre convívio respeitoso, religião e sexualidade. O ritmo é bom, mesmo sem graça. A analogia é ótima, mesmo que construída em cima de estereótipos. Tem tudo para ofender e incomodar, o que pode ser ótimo para alguns e péssimo para outros.

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