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Depois Daquela Montanha (The Mountain Between Us – 2017)

os dois caminham na neve.jpg

Tudo neste Depois Daquela Montanha engana no começo. O que aparenta ser um filme de sobrevivência que busca a verossimilhança aos poucos se revela outra coisa. Ou melhor, outro gênero. Aos poucos se revela que a proposta não é acompanhar o drama de duas pessoas em uma situação limite, mas revelar uma forma inusitada de duas pessoas descobrirem o amor entre elas.

E nada mais incomum que dois estranhos, o neurocirurgião Ben (Idris Elba) e a fotojornalista Alex (Kate Winslet), que sobrevivem a um acidente de avião em uma região montanhosa dos Estados Unidos durante o inverno e precisam trabalhar juntos para se manterem vivos.

À princípio, os perigos da situação e os problemas constantes são o foco. Alex está com a perna quebrada dentro da carcaça do aeronave e Ben precisa cuidar dela ao mesmo tempo em que garante calor (afinal, estão quase soterrados por neve), e busca por alternativas além de apenas permanecer parados no mesmo local. Rapidamente, os jeitos dos dois entram em choque.

avião caído em topo de montanha
Cenário desolador para a sobrevivência.

É um dos acertos do roteiro de Chris Weitz e de J. Mills Goodloe, adaptado do livro homônimo de Charles Martin. O foco na sobrevivência é apenas uma desculpa para desenvolver a interação entre os personagens. A própria Alex resume o contexto quando, ao descobrir o trabalho dele, percebe que ele é a razão e ela a emoção. O que os faz seguir linhas de raciocínio diferentes em cada problema, mas não significa que nenhum dos dois está completamente certo ou errado.

Aos poucos os clichês começam a dar as caras. Alex não consegue esconder certos pensamentos ao perguntar sobre a própria roupa de baixo para o companheiro. É tão fora de contexto e absurdo para a situação, que mais faz rir do que envolver no romance que é construído. Por outro lado, Winslet é uma atriz tão eficiente que consegue expressar os sentimentos da personagem com a pausa certa antes da fala enquanto observa Ben.

Elba, por sua vez, sustenta o padrão da colega de elenco ao dar profundidade para a inteligência de Ben com suspiros de ponderação que indicam que o personagem reflete cuidadosamente sobre cada escolha antes de agir. Mas nem mesmo os dois protagonistas conseguem ofuscar a pieguice típica de romances melodramáticos derivados de autores como o Nicholas Sparks.

os dois caminham para o avião
Casal antes de se conhecerem. Melodrama que beira a breguice.

Além de diálogos constrangedores como o descrito anteriormente, há uma tragédia passada de Ben explorada preguiçosamente e que leva a um momento melodramático que deveria ser uma grande reviravolta sobre ele, mas não deixa de ser previsível. É uma ferramenta para envolver o espectador na tristeza dos dois para que ele torça para a união no fim da história.

Porém, para que algo tão íntimo seja mantido escondido entre os dois, a história deixa uma impressão de que eles não se conhecem de verdade. É possível entender um romance construído apenas na base da atração física, ainda mais com dois atores tão belos e talentosos, mas eles não sustentam uma noção de que podem virar um amor de longa data.

Para conduzir essa transformação do gênero, o diretor Hany Abu-Assad busca a verossimilhança. A cena da queda do avião envolve uma técnica primorosa para simular um plano sequência que aumenta a sensação de realidade. Quando a câmera está dentro dos destroços com os personagens, ela está na angulação do chão, para indicar como eles estão levemente inclinados.

elba observa a natureza
Ambientação nunca faz parecer que Ben está em perigo.

Funciona muito bem para o drama de sobrevivência e evita que as partes melodramáticas não pareçam óbvias e caiam na breguice total. Por outro lado, como o foco da narrativa é o romance, Abu-Assad parece esquecer de desenvolver a sensação de perigo. Em certo ponto, Alex fala que eles passaram três semanas perdidos, mas nada indica esse sofrimento contínuo na tela. Não se vê angústia, fome ou longas e tediosas esperas dos dois. Na verdade, as cenas são costuradas de tal forma que parece que a história se passou em dois dias, enquanto a maquiagem faz com que eles pareçam ter acabado de tomar um banho.

Ainda surgem alguns questionamentos interessantes, como a dúvida de ambos em se envolver mesmo que os dois saibam que Alex está compromissada com outra pessoa fora dali. Mas e se não sobreviverem? E sobreviverem e forem forçados a se separarem? O questionamento é mais que válido, mas explorado a uma exaustão no terceiro ato, que chega a ser impossível se importar.

Essa falta de envolvimento tem um peso terrivelmente negativo no fim do filme, mas é difícil dizer que se trata de algo péssimo. Entre problemas de caracterização e acertos em algumas abordagens, estreia uma produção que nunca entedia e tem um bom ritmo, mas também não compromete o espectador com o drama vendido.

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