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A Qualquer Custo (Hell or High Water – 2016)

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O contraste alto aumenta a sensação de que o clima é árido. A amplitude dos campos se estende até o horizonte com os enquadramentos abertos. Os homens normalmente vivem em duplas e são grossos e viscerais. Mas há algo de diferente em A Qualquer Custo. Não é o típico faroeste de outrora, mas algo mais atual.

Ainda é sobre duplas de homens duros. Neste caso, dois irmãos que começam a assaltar bancos do oeste do Texas e os dois guardas que os perseguem. Há quase um paralelo entre eles. As parcerias são formadas por pessoas inteligentes, brutas, que resolvem os problemas com poucas palavras e têm retidão moral e truculência. Também têm em comum algo que não é tão novo ao gênero: vulnerabilidade.

Faroestes, bangue bangues, westerns, velho-oeste. Chame como quiser, desde o começo do cinema o gênero busca representar o masculino sempre em adoração. Foi assim com John Ford, com Sergio Leone ou com o Clint Eastwood. Até os anos 2000, quando começou a ser reinventado. Em tempos nos quais se questiona diferenciação de gêneros e representação de sexualidade, os ideais de homens de outrora ficam, obviamente, expostos. E o resultado disso nos filmes é a revelação de que esses durões não deixam de ser mais do que vulneráveis.

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Um cowboy e um descendente de índios. Modelos mudam com os tempos.

Todos os estereótipos estão presentes na produção. Os planos abertos, as cidades pequenas e com poucos cidadãos, a trama de dupla de homens que progride até o último ato para concluir com um duelo. Mas em todos os momentos, o roteirista Taylor Sheridan faz questão de revelar que o cenário não é o velho oeste. Muito pelo contrário, é um oeste novo, com carros de marca, dinheiro com notas marcadas, câmeras digitais, cassinos com prostitutas que dão golpes nos clientes e, acima de tudo, onde o estilo de vida e as pessoas não são mais que ultrapassados.

Isso fica claro quando os guardas Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Alberto Parker (Gil Birmingham) fazem tocaia diante de um banco e a parte com descendência mexicana e indígena da dupla explica como aquela terra pertencia aos índios, foi tomada pelos brancos e agora está em processo de ser levada pelo capitalismo. Não há inimizade entre o típico vaqueiro e o indígena porque os tempos mudaram e todas as questões que os tornavam relevantes se foram. Agora são apenas obsoletos.

Para traduzir isso em imagens, o diretor David Mackenzie faz com os enquadramentos o mesmo que Sheridan com o texto. No melhor momento, dois inimigos armados que claramente se odeiam se encaram. A montagem e os enquadramentos exploram sem pressa a tensão que cresce. Então um carro aparece no fundo, com crianças interessadas em celulares e pessoas com problemas mais importantes para o mundo atual. De repente, todo o confronto se torna irrelevante novamente.

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Os irmãos assaltantes. Aceitação de que a vida não tem destino certo.

Falar que o Jeff Bridges faz um excelente vaqueiro das antigas é chover no molhado. A novidade é que Hamilton é vulnerável, algo que o ator nunca tinha misturado com os cowboys dele. A surpresa entre os atores é Gil Birmingham como o parceiro, que cativa Hamilton mesmo por baixo de um leve desgosto com a noção de que o que costumava ser um inimigo se tornou um homem da lei. Existe um misto de rancor e admiração que o ator passa para o personagem que é importantíssimo para o desfecho da produção.

O filme, porém, pertence a Chris Pine e Ben Foster como os irmãos assaltantes. O primeiro é uma pessoa que seguiu as regras a vida inteira e está pronta para entregar as pontas, sempre com um cansaço em relação ao que a própria vida se tornou. Maravilhoso quando se pensa que é o ator que ficou famoso como a releitura do capitão Kirk. Ben Foster apenas rouba o filme e vai embora com ele debaixo dos braços. Sempre magnífico no que quer que faça, Foster cria um homem sádico que aceitou que a jornada que segue não tem final feliz e a abraça porque acredita que não há alternativas para escapar do universo sujo e pobre em que sempre viveu.

A Qualquer Custo é pungente, triste, nostálgico e, justamente por ser tão rico em sentimentos, é belo. Existe algo de poderoso em ver esse grupo de pessoas que eram tão admiradas e fortes se tornarem ultrapassadas e fora de lugar, ao mesmo tempo em que é preciso notar a realidade de que eles realmente precisam deixar espaço para que coisas melhores sigam adiante com o mundo.

 

P.S.: Quando se vê um faroeste que tem no crédito de trilha sonora o nome do Nick Cave e do Warren Ellis, nota-se uma produção que sabe o que está fazendo.

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