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A Hospedeira

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A Hospedeira é a nova adaptação para os cinemas de uma obra da Stephenie Meyer. Para quem não sabe quem ela é, Meyer é a principal culpada por Crepúsculo e derivados. Tudo merda, né? Eu concordo. Então provavelmente esse novo filme dela sequer merece consideração. Normalmente eu concordaria. Mas nesse caso em especial houve algumas coisas a serem consideradas. Então me acompanhe em uma proposta, caso não desperte interesse, vá assistir outro filme, nem precisa ler a crítica até o final.

Imagine uma escritora cuja primeira obra foi um grande sucesso. A crítica foi dura, os livros são duvidosos e o conteúdo é mais que questionável. Mas no meio da porcaria, existem alguns contextos realmente interessantes. Parece haver algum tipo de profundidade naquela história ridícula. Depois disso, ela resolve escrever um livro mais voltada para ficção-científica e não para o romance. A referência é Gattaca, um ótimo exemplar do gênero.

Ronan em Desejo e Reparação, com 12 anos.
Ronan em Desejo e Reparação, com 12 anos.

Por algum motivo, o livro não faz o mesmo sucesso com as fãs dos outros. As reclamações se resumem a garotas falando sobre como ficção-científica é chato, bobo e idiota. Mesmo assim, os direitos para o cinema são comprados por uma produtora e de repente saem notícias de que o diretor seria ninguém menos que o próprio Andrew Niccol, o realizador de Gattaca. A atriz principal é a Saoirse Ronan. Uma grande atriz mirim conquistando um novo mercado agora que está envelhecendo.
Ronan em A Hospedeira, agora maior de idade.
Ronan em A Hospedeira, agora maior de idade.

A ideia é simples. Discutir moralidade, fazer inferências políticas, religiosas, econômicas. Trata de um ser alienígena milenar que se defronta com uma espécie inferior. Através de um curto período de contato com essa nova espécie, tal ser acaba descobrindo um valor de vida novo, que o faz questionar toda a sua existência e sua moralidade.
Fecho minha proposta. Se não ficou interessado ainda, vá assistir Jack – O Caçador de Gigantes ou então o G.I. Joe novo. Mas, se assim como eu, ficou interessado e resolveu dar uma chance, pode ser que você fique surpreso.
Como é de se esperar da autora, A Hospedeira é sobre um triângulo amoroso. Ao mesmo tempo em que é muito mais complexo que apenas isso. Não sei quanto ao livro, mas o filme não se rende a ser apenas mais uma baboseira sem sentido sobre amor eterno e toda essa pataquada.
Acompanhamos Peregrina (ou Peg, como é apelidada). Ela é uma alienígena de uma espécie que conquista outros mundos com vida inteligente ao tomar seus corpos. Para essa espécie, os corpos que dominam não passam de seres primitivos. Os humanos não são mais que animais destrutivos e irracionais.
Ao ser colocada em um novo corpo, Peg descobre que naquela mente recém tomada ainda sobrevive a consciência de sua antiga dona, uma garota chamada Melanie. Ao investigar as memórias de Melanie e descobrir o passado dela, Peg acaba encontrando um universo de sentimentos desconhecidos. Dentre eles, amor, paixão, perda, sofrimento. Ao aprender o poder dos sentimentos humanos, Peg se apieda da espécie e resolve dar a Melanie uma chance de continuar existindo como consciência.
Daí seguem uma sequência de soluções convenientes demais, com diálogos absurdos e momentos forçados. De repente Peg e Melanie, dividindo o corpo, estão vivendo como prisioneiras entre os humanos rebeldes. Dentre eles, o irmão e o antigo amante de Melanie. Culpo todos esses defeitos à autora do material original.
Neste ponto eu estava convencido de que o filme era desprovido de esperança. Quando vi o William Hurt em tela até fiquei triste. Que desperdício de ator. Mas de repente a direção de fotografia começou a ter alguns momentos realmente inspirados. As discussões entre os personagens foram ficando mais e mais inteligentes. Aqui e ali surgiam analogias visuais com contexto de crítica social.
Do nada, Peg começou a demonstrar interesse em um dos humanos. Um que não era o namoradinho de Melanie. E agora haviam dois garotos apaixonados por um mesmo corpo. E neste corpo haviam duas garotas apaixonadas por dois garotos diferentes. Veio o medo de tudo aquilo de bom que havia acontecido virar mais um romance idiota.
Não acontece.
Os dois rapagões, Jared e Ian, não brigam por elas. As duas não brigam por eles. Todo mundo apenas reconhece que a situação é complicada e enquanto não puderem mudar nada, ninguém poderá ficar com ninguém. Eles aceitam que o certo é ficarem sozinhos e trabalharem juntos para o bem do grupo. Nem sequer acontece discussão sobre o assunto. Apenas um ou outro momento constrangedor, no máximo.
Aos poucos, Peg vai revelando um comportamento moral que condiz mais com o que costumamos chamar de “humano”. Para falar a verdade, ela vai ficando cada vez mais humana que os próprios humanos. Até mesmo que a antiga ocupante do corpo. Abre espaço para reflexões sobre a vilania dos extreterrestres e a bondade dos homo sapiens.
Adoro tramas que me permitem identificar e até torcer mais por um ser não humano contra nossa espécie. Em diversos momentos isso acontece com A Hospedeira. Peg é de longe o personagem mais interessante da história.
Andrew Niccol dirigiu Gattaca, o que é um mérito incrível. Mas sua carreira tem alguns baixos também. Ele não é um diretor muito consistente. Ainda é um artista que gosta de levantar questionamentos sociais inteligentes, o que faz sua obra valer mais que a maioria das coisas que se vê por aí. Mas sua expressividade através da cinematografia é limitadíssima.
Nas mãos de um um diretor mais capaz, as discussões mentais entre Peg e Melanie seriam muito mais interessantes. Talvez até com alguma possível interação visual. Mas Niccol se limita ao fácil voice-over. Que se suporta apenas pela interpretação de Ronan.
Até parece que o estúdio alterou o material aqui e ali. A montagem é uma bagunça. A construção de cena é apressada. Várias vezes algum tipo de ação acontece na qual algum personagem surge de lugar nenhum, deixando claro que o ator estava atrás da câmera esperando a deixa para entrar. Não parece cinema, mas teatro.
O que não impede de aparecerem tomadas inspiradas, como a que contém uma foice ensanguentada. Uma referência ao socialismo, tema constante no filme.
Os atores, quando não estão fazendo um ótimo trabalho, estão bem. O mérito maior vai para a Saoirse Ronan e a Diane Kruger. As duas criam suas alienígenas perturbadas pelas emoções humanas com muito talento. É bom ver que a garota de Desejo e Reparação ainda consegue desenvolver intepretações bonitas.
Diane Kruger. Serenidade deturpada por emoções.
Diane Kruger. Serenidade deturpada por emoções.

Em uma cena, Peg é testemunha dos horrores dos esforços humanos para se salvarem de sua espécie. Ronan brilha na tela. Passa da paz para o desespero em segundos. Seus olhos espelham o terror repentino pelo qual está passando.
O final peca com a covardia de uma solução conveniente para ter o seu grande final feliz. Chega a ser idiota. Poderia ser mais corajoso e abraçar um desfecho mais triste e significativo.
Não é redondinho, possui seus defeitos, mas não é um Crepúsculo. Possui conteúdo e inteligência. Apesar de ter sido feito visando as órfãs daquela “saga”. Recomendo para quem é fã de ficção-científica.
P.S.: No final, uma de minhas atrizes favoritas faz uma aparição surpresa. Só por vê-la ao lado da Saoirse Ronan já valeu o ingresso para mim.
 
GERÔNIMOOOOOOOOO…

2 comentários em “A Hospedeira

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