Postado em: Reviews

X-men: Apocalipse (X-men: Apocalypse – 2016)

Apocalipse pratica Shaekespeare

“Qual é a minha parte nessa loucura?”, pergunta James McAvoy. O questionamento seria plausível por parte de um ator sóbrio e são diante do roteiro de X-men: Apocalipse. A ironia é que a frase é dita pelo personagem de McAvoy, no que parece uma reflexão do próprio filme acerca da trama deste filme, o nono da franquia dos personagens da Marvel nos cinemas.

A história se passa dez anos depois do filme anterior, X-men: Dias de um Futuro Esquecido. A agente da CIA, Moira Mactaggert (Rose Byrne) descobre um culto que pretende acordar um mutante milenar de poder absoluto. Quando esse ser antigo descobre os poderes de telepatia do professor Xavier (James McAvoy), percebe que é o poder que lhe falta para ser indestrutível.

Existe uma série de histórias fechadas nos quadrinhos chamada Era de Apocalipse. É uma das mais famosas e adoradas dos X-men. Em grande parte por conta de um vilão de poderes absolutos que apresenta um desafio único para os mutantes. Depois de a franquia dos personagens no cinema adaptar duas séries famosas das HQs, Primeira Classe e Dias de um Futuro Esquecido, fazia sentido que o próximo filme fosse sobre a saga do antagonista azul. Principalmente porque o escopo de um inimigo do tipo pode dar para a Fox um filme capaz de concorrer com a escala de ação de coisas como Vingadores e Capitão América.

Mas tentar ser como os filmes de sucesso de outro estúdio também confere a X-men: Apocalipse os defeitos deles. Aqui, o foco é juntar um grupo enorme de personagens com poderes das mais variadas cores para se enfrentar no final enquanto o nível do conflito escala através da produção. Ninguém tem destaque como protagonista e nenhum dos dramas é aprofundado com o nível de qualidade padrão dos bons filmes com o título dos heróis.

Na verdade, muitos dos inúmeros desenvolvimentos de personagens são pobres. Como o de Magneto (Michael Fassbender), que já foi um homem que buscava vingança, aprendeu a ser mais forte com o amor, descobriu que era preciso guerrear contra os humanos sem poderes, reaprendeu o valor da paz e agora, passa por outra tragédia pessoal para querer vingança contra o mundo. Um pequeno melodrama forçado com uma esposa e uma filha cheio de clichês como o soldado que dá um tiro acidentalmente por medo. Isso porque a trama do homem revoltado porque perdeu a família já é, por si só, um clichê. Acelerado e mal escrito como neste filme apenas denota a preguiça do roteirista, Simon Kinberg, em trabalhar mais a história.

Essa preguiça se repete com os vários personagens que dão as caras novamente ou reaparecem. Acontece com o Ciclope (Tye Sheridan), com uma trama pela metade sobre bullying. Com a Jean Grey (Sophie Turner), incapaz de controlar os próprios poderes. Com o Mercúrio (Evan Peters), que quer conversar com o pai recém-descoberto e a trama não vai para lugar nenhum. Com a Mística (Jennifer Lawrence), que não quer ser uma heroína apesar de ter ganhado fama como uma. Com o professor Xavier, que quer ficar com a Moira. Com o Alex Summers (Lucas Till), que supostamente tem um drama com o irmão, mas também não dá em nada. Com a Tempestade (Alexandra Shipp), que começa como alimentadora de crianças pobres e as abandona como se não fossem nada. Esse amontoado de personagens com histórias fracas criam um filme sem liga. Não existe identificação para o espectador.

Magneto voa
Fantasia espalhafatosa. Michael Fassbender parece desinteressado em cena.

Os atores veteranos parecem ter noção disso e não se entregam totalmente nas cenas. Fassbender e McAvoy fazem as cenas com profissionalismo, mas em nenhum momento exprimem os sentimentos que são tão bons em revelar normalmente. Jennifer Lawrence também está no automático. A Mística dela nunca parece decidida em nada que fala com tanta força na voz, mas nenhuma entrega no olhar. Já Nicholas Hoult, de volta como o Fera, tem bons momentos, como a cena em que olha para o antigo romance com tristeza. Mas a participação dele é tão pequena e sem importância para a trama que não há destaque. O mesmo acontece com a Rose Byrne, que aparece apenas para ser um interesse romântico sem personalidade para o Xavier. O Evan Peters protagoniza o melhor momento do filme, mas o ator tem tão pouco no texto para interpretar que o Mercúrio continua sem personalidade.

É nas novidades que as boas interpretações se encontram. Sophie Turner dá o máximo de si para a tumultuada mente de Jean, com medo de si mesma. Tye Sheridan se diverte como o Ciclope e dá para o jovem mutante muito carisma. Alexandra Shipp cria um divertido tipo rebelde com a Tempestade, que faz a personagem mais forte sem perder a simpatia. O melhor é o Oscar Isaac, que mesmo com um personagem unidimensional como o megalomaníaco Apocalipse, consegue entregar momentos inspirados. Ele dá pequenos suspiros de impaciência com o que considera falta de compreensão das pessoas.

Jean, Noturno e Ciclope preocupados
Novo elenco é a única parte esforçada entre os atores.

 

Se a estrutura e o roteiro são fracos, a direção é ótima. Apocalipse marca o quarto filme da franquia mutante sob a batuta do Bryan Singer e o diretor se mostra confortável e seguro no cargo. Com o apoio do veterano em efeitos especiais, John Dykstra, faz uma mistura elegante entre computação gráfica e tomadas reais para criar sequências de ação grandiosas e que parecem verossímeis. São raros os momentos em que é possível notar que um personagem é digital, como em pequenas cenas do Magneto ou sempre que a vilã Psylocke (Olivia Munn) faz algo impossível. Estes mesmo momentos, porém, é quando toda a noção de realidade é quebrada pelo absurdo que se passa na tela. A necessidade de ser grandioso quebra a realidade construída no filme.

Por outro lado, Singer sabe que a ação é sobre os personagens e não sobre os efeitos e as explosões. Foca todos os momentos de correria e violência em onde os personagens estão e o que querem fazer. Ao mesmo tempo, os heróis sempre parecem estar em perigo real de vida, o que causa tensão. O interessante é que esse medo pelos protagonistas se perde quando o filme tenta ser mais sério. Em uma cena, Apocalipse consegue capturar os dois mocinhos mais próximos de Magneto. A reação dele, a má construção das relações e a forma como Apocalipse convenientemente demora demais para matar os dois realça o fato de que se trata de atores e quebra mais uma vez a verossimilhança.

Mística apanha pro Apocalipse
Mística em perigo. Apocalipse convenientemente não a mata rápido para criar tensão.

Uma das coisas que mais incomoda é a falta de protagonismo. Como ninguém é o verdadeiro personagem principal, não há uma condução com um herói por quem o espectador pode se interessar. Principalmente quando todos possuem histórias rasas. O outro grande incômodo é a ausência de profundidade. Nem os piores filmes da franquia evitam discorrer sobre questões de preconceito ou deixam de ter um personagem com um desenvolvimento inteligente acerca dos poderes deles. Essa privação é ainda mais sentida quando se trata de um grupo de heróis de construção pessoal rica e feitos para falar de temas sociais.

mocinhos reunidos
Os veteranos da trilogia se reúnem em uma coincidência incrível.

Isso não é tudo. O fato de que os personagens não envelheceram mesmo depois de 20 anos de história desde que apareceram pela primeira vez; as idas e vindas forçadas da trama para criar referências a histórias em quadrinhos e às produções anteriores; as coincidências extrapoladas que reúnem pessoas que se conhecem há duas décadas por motivos diferentes na hora certa; o humor que funciona em poucas ocasiões; o exagero desmedido de situações como uma explosão de um motor. Em certo momento, os personagens fazem uma piada sobre como terceiros filmes de trilogias são ruins. A ironia é que Apocalipse é o terceiro da segunda trilogia dos X-men e talvez seja o pior de todos.

 

GERÔNIMOOOOOOOOO…

1 comentário em “X-men: Apocalipse (X-men: Apocalypse – 2016)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.