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Viver a Vida

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Sempre tenho receio quando vou assistir um Godard ou um Antonioni da vida. E se eu não entender? E se eu não gostar? Godard é um desses monstros sagrados do cinema. Não gostar ou entender seus filmes é correr o risco de passar por ignorante ou desentendido da área. Não é exatamente o ambiente mais convidativo para uma pessoa com baixa auto estima. Foi com esse receio que assisti Viver a Vida.

Eu poderia falar da história, mas a história é o de menos. Godard sabe que a proposta é mais importante que a trama em si. Por isso mesmo sua estrutura, seu estilo e sua técnica servem à proposta, não ao enredo.
Basta saber que Nana é uma mulher que quer se tornar atriz, joga fora sua vida confortável e no meio das dificuldades resultantes acaba entrando no ramo da prostituição. Para representar isso, Godard filma usando estilização do cinéma vérité da época. Coloca as câmeras seguindo os atores em cena, às vezes até mesmo se antecipando a eles em seus movimentos. A fotografia é em preto-e-branco e a película corre a 12 quadros por segundo.
Em termos sensoriais, é algo completamente diferente do que se está acostumado. O movimento é diferente, as texturas são mais apuradas com a falta de cor. Mas é claro que Godard não iria seguir à risca um estilo de cinema. Ao filmar seguindo o padrão do cinéma vérité, trocou as câmeras leves por equipamentos pesados.
O resultado? Eu não sei. Essa foi só uma das coisas que não pude apurar apenas assistindo ao filme. O diretor brinca muito com sensações. Nem sempre vai ser possível notar coisas pequenas como essas.
O filme é dividido em 12 capítulos. Cada um é explicado antes pelo título que o precede. De certa forma, quando as cenas começam já se tem uma noção do que vai acontecer porque já apareceu escrito na tela mais cedo.
Não é loucura, é a forma do Godard zombar na estrutura convencional de se fazer filmes. Porque mesmo sabendo o que vai acontecer na cena, ela ainda não foi vista. Não se tem ideia de como foi filmada, como vai ser contada. Saber o que vai acontecer basicamente não altera a experiência de assistir.
Como é regra do Godard, os atores olham para a câmera constantemente quebrando a quarta parede. Parece que aquela realidade é a nossa própria. As coisas acontecem de forma diferente da maioria dos filmes. A construção de cena é verossímil demais. Um tiroteio é desajeitado e cheio de erros. Começa com um bandido percebendo que esqueceu de carregar sua pistola. Outro vai dar um tiro e acaba errado miseravelmente. Não é aquela coisa glamourizada de Hollywood, que quase parece uma dança.
A câmera fica quebrando as vias dos olhares. Em um diálogo, às vezes Nana olha da esquerda para a direita no eixo da tela, a câmera gira e ela passa a olhar da direita para a esquerda. São alfinetadas constantes que Godard faz com um grande apuro estético para quebrar e questionar tendências de filmagem.
A história se passa em uma Paris com grande desenvolvimento artístico. Ao mesmo tempo em que retrata a jornada de Nana, a ambientação reflete os movimentos musicais e plásticos do período. Os cenários são cafés, restaurantes. Em uma cena, enquanto Nana espera por um homem, admira as pessoas do lugar onde se encontra. Vê-se quadros, pessoas e comportamentos.
Na minha cena favorita, Nana se propõe a conversar com um desconhecido e ambos acabam discutindo o valor de falar e das palavras ditas. É um reflexo da cultura parisiense do período.
Riquíssimo. Amei de coração. Tenho certeza de que não entendi completamente. Mas a verdade é que nem quero entender completamente. Apenas aproveitei a jornada pela qual Godard me permitiu passar. Recomendo fortemente para quem quer experimentar coisas novas em termos de cinema.
 
GERÔNIMOOOOOOOO…

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