Postado em: Reviews

Titan (Titan A. E. – 2000)

uma loucura de elementos.jpg

No ano 2000, as criações em animação da dupla Don Bluth e Gary Goldman chegaram ao fim com este Titan. Os desenhos realizados pelos diretores ainda são lembrados quase com status de cult. O fracasso deste, porém, foi a gota final para a carreira no cinema dos dois. O que talvez seja injusto.

A proposta é interessante. Em 3028, a humanidade dominou a viagem espacial e tem contato com inúmeras espécies alienígenas inteligentes. Quando um humano inventa uma nova tecnologia, desperta o medo da espécie alienígena drej, que destrói a Terra para garantir que o projeto Titan não seja colocado em prática. Caleb (voz de Matt Damon), filho do cientista que criou a ciência nova, é um dos último terráqueos vivos quinze anos depois. Ele é contatado pelo Capitão Korso (voz de Bill Pullman), que revela que o jovem carrega no DNA a última esperança para os seres humanos.

Obviamente, trata-se de um exemplar do gênero chamado de ópera espacial. Aventura com tiroteios e ação, em um universo de viagens em naves e brilhinhos. O estilo foi criado com Star Wars e conta também com dramas pessoais sobre relações humanas em situações limítrofes. E, aqui, isso tudo é usado também para uma surpresa para o espectador de 2016.

bicho-azul-em-computac%cc%a7a%cc%83o-grafica
Os drej. Movidos por medo do desconhecido.

Titan é um filme atual. Uma história sobre pessoas sem lar ou origem perdidas, no que só pode ser descrito com um pesadelo diplomático, certamente remete às crises sobre migrantes e refugiados discutidos além da exaustão em praticamente todo o mundo. Mais interessante que isso, é a forma como a reflexão sobre desesperança e intolerância se assemelham muito a discursos que se escutam de vários lados conservadores.

Muito dessa proposta inovadora e ousada (principalmente em uma obra vinda de um país conservador como os Estados Unidos) é devida à trinca de roteirista Ben Edlund, John August e Joss Whedon (sim, o cara que criou a Buffy e dirigiu Os Vingadores). Caleb cresceu longe de humanos e em meio a alienígenas que detestam a humanidade. Por conta disso, aprendeu a ter preconceito da própria espécie. Na jornada junto a Korso e a Akima (voz de Drew Barrymore), ele aprende a ter esperança e a ver valor nos iguais.

Tudo isso é ainda mais interessante quando os obstáculos da busca começam a refletir essas questões. Um dos vilões é um humano que perdeu a fé na humanidade. Outras pessoas mantém a esperança, porque convivem com resquícios da cultura humana e precisam acreditar que ela não está perdida. Além da riqueza de todos esses contextos, há um foco grande no detalhamento do universo.

nave-voa-no-espac%cc%a7o
Nave acompanha seres espaciais de luz. Visual ganha com a criatividade.

É onde a direção de arte e os roteiristas usam o máximo de criatividade. Numa hora os heróis pousam em um planeta cujas árvores crescem bolhas de hidrogênio. Noutra, eles descobrem que os antagonistas, os drej, são feitos de energia pura. A inventividade vira um universo de características fascinantes e divertidas, que apresentam novidades a cada reviravolta da trama.

Para fazer tudo isso, Bluth e Goldman usam uma técnica que fazia muito sucesso na época: misturam computação gráfica com animação tradicional. Naves, planetas, inimigos e cenários são feitos tridimensionalmente em computador, e os personagens e detalhes com mais movimentos são desenhados para se encaixar. O resultado envelheceu mal em termos visuais. Os dois estilos não dialogam tão bem, e a computação ainda em desenvolvimento da época é gritante e parece falsa. Por outro lado, o filme é estonteante. Em diversas cenas, as perseguições de naves envolvem nebulosas, anéis de cristais de gelo, seres que vivem no espaço sideral, colônias construídas com naves estacionadas umas nas outras.

Ao mesmo tempo, a direção de arte também revela como o filme é datado. Em meio ao ápice da adoração ao estilo cyberpunk, ele usa e abusa de características que remetem diretamente à segunda metade dos anos 1990. Roupas pretas que parecem de motoqueiros (como em Matrix, X-Men, O Fantasma do Futuro e Equilibrium) com trilha de rock em meio à ação (Tomb Raider, As Panteras). Chega a ser interessante notar como o período parece envelhecer os filmes, assim como cabelos mullet remetem obviamente à década de 1980.

As músicas também são datadas. Os rocks utilizados envolvem mistura de punk com elementos de música eletrônica. Uma delas, Over my Head, da banda Lit, fez mais sucesso que o filme. Apesar de marcarem uma data específica, são boas e dão vontade de ouvir fora do contexto da produção. Também é bom salientar que não há momentos musicais. As músicas são trilha para as cenas.

Só pra dar o clima de como era a parte musical, veja o clipe de Over my Head. Passou inúmeras vezes na MTV. [youtube=https://www.youtube.com/watch?v=duE_pFsWWaA]

O grande defeito de Titan, além de todas as características datadas, é a grande reviravolta da trama. Não por ser bem ou mal construída, mas pela forma com que o roteiro trata um dos personagens. Antes da surpresa do enredo, ele tem uma personalidade. Depois, ele muda. Vira outra pessoa, apenas com o mesmo corpo e voz.

Outro problema está no primeiro ato. Muita coisa acontece de uma vez. Caleb trabalha numa estação alienígena, conhece Akima, encontra Korso, enfrenta um grupo de bullies, descobre que é a última esperança da humanidade, é perseguido por drejs, um cozinheiro morre. Tudo em menos de vinte minutos. Sem muita ambientação, parece estranho, ainda mais falso do que apenas por ser uma animação.

Ainda assim, Titan merece ser lembrado. É criativo, original, atual, tem boas ideias, a trilha é boa, retrata bem o que era o estilo do final da década de 1990 e é um resquício de um estilo de animação perdido. Tem defeitos sérios, que comprometem o que seria um filme extraordinário, mas ainda é válido pela oportunidade de redescobrir parte da obra da dupla Don Bluth e Gary Goldman.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.