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Stranger Things – 1ª temporada (2016)

Eu não vivi os anos 1980. Nasci em 1988, então cresci mesmo com a construção de caráter da década seguinte. É claro que tive contato com a década anterior e talvez esse contato não-imediato (fiz referência também, entendeu?) com o período tenha feito com que a experiência de assistir Stranger Things tenha sido mais feliz do que a de outras pessoas, que reclamaram da falta de originalidade da série.

Stranger Things é a nova série do Netflix disponibilizada neste mês e que já arrebatou corações. A premissa é consideravelmente simples: o pequeno Will Byers desaparece em uma cidade dos Estados Unidos e as pessoas vão atrás dele. Isso inclui a mãe, o irmão mais velho, o xerife da cidade, os melhores amigos do guri e até as famílias deles. Cada um seguindo a sua linha de “investigação”, por assim dizer, e o seriado acompanha cada uma delas.

O roteiro do seriado segura bem, com alguns buracos e situações que vão contra a própria mitologia montada no início, mas que não acabam com a graça do todo. Afinal, como uma nova temporada foi confirmada, as coisas podem se explicar. Essa é a diferença de um seriado para um filme. Se o roteiro já consegue te segurar de um episódio para o outro, na ânsia de querer descobrir o que está acontecendo naquela cidade, pra esta escritora o trabalho foi bem feito.

Eleven num escafandro.jpg
Eleven. Parte fundamental do mistério.

Vale explicar que Stranger Things se divide em núcleos: os adultos, os adolescentes e as crianças. As atuações de cada pessoa definem claramente quais os núcleos que vale a pena se importar no seriado. Duvido que você não se afeiçoe aos amigos Mike, (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin) e à incansável vontade de encontrar o amigo desaparecido. Eles são tão naturais e sinceros na camaradagem que parecem ter passado por uma colônia de férias antes das gravações para fundar uma amizade real entre os atores.

No outro núcleo que vale a pena se importar, está a mãe, Joyce (Winona Ryder), e o xerife Jim Hopper (David Harbour), que são os nomes mais famosos desse seriado. Aqui também se inclui os vilões, reunidos na figura insossa e que poderia ter sido muito melhor explorada do Dr. Martin Brenner (Matthew Modine, outro famoso). O xerife é o personagem com maior profundidade no seriado, se contarmos o passado que é mostrado em flashbacks. O arco dele fica mais compreensível conforme passam os episódios.

A Winona Ryder sempre foi ruim, meio como um anexo até quando era protagonista. Sem brilho. Aqui, ela conseguiu brilhar exatamente pela falta dele. Ela não é a protagonista, mas faz um excelente papel como a mãe desesperada, levemente overactress e tomada como louca pelos outros. No meio dos clichês que o seriado se força a trazer como referências à cultura dos anos 80, a Joyce é o personagem que quebra esses momentos com uma ação diferente do previsto.

Winona Ryder segura luzes de natal
Cena de intimidade de Ryder com as luzes de natal.

No entanto, de longe, a melhor atuação do seriado vai para a incrível Millie Bobby Brown como Eleven – a menina-mistério que surge assim que Will desaparece. Ela consegue, no auge dos seus 12 anos, colocar apenas no rosto (porque Eleven não é muito de falar) mais de 30 emoções diferentes. Quando ela atua frente a frente com Winona Ryder em uma das cenas, é vergonhoso o banho de talento que ela dá na colega de 40 anos de idade.

Já o núcleo adolescente é o mais fraquinho de todos. Tem histórias que você não se importa e pessoas que você não se afeiçoa – talvez um ensaio de gostar do irmão mais velho do Will, Jonathan, mas tudo termina tão previsivelmente que você fica com raiva de ter gostado dele em algum momento.

Num geral, o seriado é muito bem produzido, com algumas escorregadas. A computação gráfica para criar o bichão sinistro é bem fraca e deixa dúvidas se foi intencional ou falta de grana pra investir. Mas o estilo de câmera dos diretores é competente e a fotografia de algumas cenas são dignas de cinema. Destaque para os momentos em que Eleven vai para seu “palácio mental”, escuro com um espelho d’água. Simples, porém efetivo.

os 4 herois crianças
Núcleo infantil. Crianças cativantes.

É importante entender Stranger Things em dois pontos.

O primeiro é que ele deve ser absorvido como um filmão de 8h de duração. Tá, eu sei, é um seriado e tem episódios divididos. E ninguém assiste 8h de filme (eu assisti, mas tudo bem). Quer você assista separados ou de uma vez, o que importa é captar uma ideia de unificação. O Netflix criou esse novo formato quando decidiu disponibilizar suas séries de uma vez só, todos os episódios juntos, para consumo imediato. Isso abre novas portas para a produção visual: não é filme e não é TV. It’s something else.

Por esse motivo, os episódios não precisam ter um gancho, algo que segure o espectador até a semana que vem empolgado para ver mais. Afinal, o próximo episódio está logo ali, ao apertar de um botão.

O segundo ponto é que o seriado se sustenta nos personagens, muito mais do que na história. Talvez o problema de quem critica as resenhas positivas de Stranger Things seja se segurar demais na ideia de “show que faz referências” e de “mistério sinistro pra ser resolvido”. A história é aproveitada mesmo quando o interesse vai os personagens, mais do que o mistério ou quantas homenagens aos filmes dos anos 80 é possível contar por episódio.

adolescentes prontos pra luta
Núcleo adolescente. Parte menos envolvente.

As referências, tão comentadas por aí e inclusive avisadas pelos criadores Matt e Ross Duffer, estão lá para agradar, mas não deveriam ser o foco. O mistério do que é aquele monstro, onde Will foi parar e porquê Joyce fala com ele com paranauês de Natal – isso tudo é super interessante e prende a atenção e a vontade de partir para o próximo episódio, mas não deveria ser a única razão de assistir Stranger Things.

Assista pelo grupo de amigos de 12 anos que ao mesmo tempo que enfrentam monstros sobrenaturais, também jogam RPG no porão e debatem quem tem que apertar a mão do outro primeiro ao pedir desculpas por uma briga. Assista pelo desespero de Joyce em tentar encontrar o filho enquanto presencia coisas malucas que ela sabe que são inexplicáveis. Assista pelo dilema de Eleven entre amar e odiar o homem que a submete a experimentos científicos e, quando convém, a trata com dignidade e amor (interesseiro). Ah vá lá, assista até mesmo pelo fraco e ultraclichê arco de adolescente certinha que começa a sair com o badboy e vira outra pessoa que decepciona os amigos.

Dá medo? Bom, levou um tempo pra dormir depois de ver o seriado e conseguir ouvir, do quarto, o barulho da geladeira. No entanto, para a maioria das pessoas, é um excelente suspense que não chega a ser terror.

Obviamente não é um seriado perfeito. Aliás, está longe disso. Mas em um celeiro de produções medianas e ruins, ele é um ar fresco e promissor. Quero outra temporada, obrigada.

3 comentários em “Stranger Things – 1ª temporada (2016)

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