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Rainhas do Crime (The Kitchen – 2019)

Amantes da história do cinema estadunidense adoram filmes de gangster. Parte do imaginário daquele país, os criminosos estão diretamente vinculados com a introdução da “modernidade” e o fim do velho oeste. Mas, mais do que isso, propõem uma reflexão sobre masculinidade, e os limites entre sobrevivência e civilidade. Se há um grupo que precisa aprender a sobreviver à violência em quaisquer contextos, são as mulheres.

Assim, quando os três cabeças da máfia irlandesa no bairro novaiorquino Hell’s Kitchen são presos, as esposas deles ficam em desalento. Em grande parte porque os criminosos não têm cumprido as funções direito. É quando Kathy (Melissa McCarthy), Ruby (Tiffany Haddish) e Claire (Elisabeth Moss), preenchem as lacunas de serviços locais e se tornam as novas líderes daquele grupo.

Com essa premissa, a diretora estreante e roteirista veterana Andrea Berloff adapta a história em quadrinhos de Ollie Masters e Ming Doyle para um filme truculento de crime. Assim como a trama, o ambienta nos anos 1970, quando a cidade era tomada pelas máfias e pela violência. A mesma época em que o cinema dos Estados Unidos passava por uma reinvenção.

McCarthy lidera as mulheres como a personagem mais inteligente.

Então, é fácil notar na escolha de cores tanto do cenário, quanto na fotografia, estilos ligado a filmes como Taxi Driver, Cassino e Operação França. Mesmo que os cenários e roupas tenham exuberância de tonalidades, os tons sempre tendem para um decaimento da saturação. Como era ditado pela moda do período e pela película usada então.

Mas não é apenas no visual que Berloff evoca o passado. Porque ela usa muitas das técnicas de diretores como Martin Scorsese. Com poucos movimentos de câmera, ela faz questão de colocar a violência esperada fora de enquadramento. Quando as mulheres e os parceiros precisam picotar um defunto, as descrições e as reações dos personagens em cena deixam claro o nível de sangue e vísceras.

No entanto, ela não se esquiva de ser explícita com tiros, socos e dilacerações quando a violência é súbita. Em certo ponto, um rival tenta estuprar Claire. A câmera parece querer esconder o que acontece do enquadramento, porque o ataque é notável antes de começar. Porém, o desfecho surpreendente acontece diante das lentes, porque alguns golpes podem ser fatais e surpreendentes. O que os torna também mais chocantes.

Moss encarna violência de uma mulher que foi oprimida por muito tempo.

Com isso, Berloff acerta o tom narrativos e visual para contar uma história permeada de questões feministas. Antes da prisão dos maridos, ela mostra como as três protagonistas são submissas a eles de formas diferentes. No decorrer da trama, coloca nas falas delas inúmeros questionamentos sobre os lugares reservados às mulheres em uma sociedade patriarcal.

Esses diálogos, inclusive, permeiam os pontos narrativos da principal entre as três, Kathy. Quando resolve se envolver com o crime na transição entre primeiro e segundo ato, ela é questionada pelo pai. Ele dá voz para a compreensão pessoal dela. Afinal, ela faz o que faz pelos filhos, pelo marido, pelo dinheiro? Quando a resposta finalmente vem, é em forma de resolução no momento de crise final.

Nota-se, assim, uma realizadora inteligente. Mesmo com inúmeras analogias visuais, como transições aéreas sobre o bairro que indicam uma visão quase externa daquele universo, ou um rato de passagem em uma viela antes de ser revelada uma traição, Berloff ainda tem problemas com a montagem. Alguns cortes entre cenas acontecem muito rápido e fazem parecer que duas cenas se passam ao mesmo tempo.

Haddish faz com que personagem tenha inúmeras camadas com interpretação forte.

No entanto, não é suficiente para atrapalhar o ritmo acelerado e divertido do filme. Em grande parte por causa de músicas da época, com bandas como Fleetwood Mac e Kansas para entoar os momentos e a velocidade das cenas. E a trinca de protagonistas carrega cada cena com eficiência. Moss revela uma ferocidade escondida por trás dos medos de uma mulher acostumada com agressões, McCarthy demonstra ternura por trás de cada escolha dura, mas o brilho maior fica com Haddish, que não esconde medo e tristeza com os deboches temerosos da personagem tanto contra homens, quanto contra brancos.

Assim, Berloff faz um ótimo exemplar de filmes de máfia. Sem deixar a desejar sequer para obras-primas de grandes mestres veteranos. E esse é apenas o debute dela na direção. Imagine o que mais ela será capaz de produzir na continuidade da carreira.

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