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Peneirando – Leviatã

Texto por Ítalo Damasceno.

leviathan

Numa tarde cor de chumbo, foi oferecido a Carlos Drummond de Andrade ver como funciona a Máquina do Mundo. Mas o poeta, humilde, envergonhado, mineiro, preferiu baixar os olhos, virar para o outro lado e, tão logo a visão desapareceu, se arrepender um pouco do que perdera. O que o diretor russo Andrey Zvyagintsev nos dá com o filme Leviatã é o mesmo que foi oferecido ao poeta: ver em pleno funcionamento as engrenagens da máquina do mundo.

Na aldeia de Teriberka, na orla do norte da Rússia, um homem decide enfrentar os planos imobiliários de um prefeito corrupto e autoritário que está blindado pelas demais autoridades e pela igreja cristã ortodoxa local. O principal conselheiro do político é o bispo, a quem ele sempre consulta antes de tomar as suas “atitudes”. A pequena comunidade é um microcosmo de qualquer sistema político e sua burocracia. Seus personagens, quase o tempo inteiro bêbados, têm suas vidas determinadas por essa mão invisível, apesar de quase ninguém vê-la como tal.

Política. O filme inteiro é sobre isso.

O “leviatã” era o monstro marinho mitológico que vivia no fundo dos oceanos e praticamente impossível de ser destruído. Aliás, seu poder de devastação era tal que chega a ser citado na Bíblia, no Livro de Jó. Não à toa, Thomas Hobbes chamou o governo de leviatã, no seu livro que leva o nome do monstro, pois seria algo que concentraria o poder total e por isso tomaria todas as decisões. Tanto a analogia de Hobbes quanto a da Bíblia se aplicam ao drama do protagonista desse filme – a do monstro ainda mais, pois tudo se passa às margens do mar e com muitas carcaças de barcos destruídos e de baleias gigantes como cenário, aumentando a sensação de destruição e impotência. No entanto, o cidadão individual ainda pode incomodar muito o sistema constituído, nem que seja só brincando de tiro ao alvo com as fotos dos grandes políticos da história.

Irônico esse filme, com tal temática, vir da Rússia, país em situação política muito estranha. Premiado como melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro e favorito para ganhar o Oscar na mesma categoria, por isso o governo de Putin o acusa de expor “valores não russos para conquistar prêmios no ocidente”. O diretor anda enfrentando problemas por lá. O Ministro da Cultura diz que é um absurdo ele ter feito uma obra que critica o governo com o dinheiro do contribuinte. Apesar de todas as acusações, o diretor afirma que aquela era uma situação que pode acontecer em qualquer lugar do mundo. E pode mesmo.

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