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Paraíso Perdido (2018)

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avô canta com as netas

As cores nas roupas, os tecidos de veludo, as camisas abertas no peito com colares e os penteados não deixam de evidenciar. Paraíso Perdido é um filme brega. Ou pelo menos sobre a cultura famosa como brega para os brasileiros. Baseada em importações do tango e de outras características latinas, essa linha é conhecida pelo melodrama e pelas tais músicas de corno.

No filme, esse mundo é desbravado por Odair (Lee Taylor), um policial civil que é convidado para a boate Paraíso Perdido e, lá, é contratado para ser o segurança do travesti Imã (Jaloo), que frequentemente é alvo de violência. A família do patriarca José (Erasmo Carlos), que cuida do lugar, atrai Odair e, aos poucos, ele descobre que tem mais ligações com ela do que imaginava a princípio.

Tem-se aí todos os ingredientes para a breguice. Melodrama, gente sofrida, cores saturadas, roupas antiquadas e até o Erasmo Carlos. Alguns provavelmente já chegarão com armas levantadas, mas é preciso lembrar que não importa exatamente o estilo, mas como ele é utilizado. E a intenção aqui é ressaltar sentimentos de uma tragédia familiar no que é quase uma homenagem à cultura brega nacional.

imã
Jaloo como Imã. Grande destaque do filme.

Então há reviravoltas familiares das mais exuberantes. Uma mulher mata um namorado que a espancou. Outra fica surda e foge da família. Todos os homens traem e têm que sofrer para reconquistar os amores das vidas deles. São pessoas que amam profundamente, e que sofrem profundamente por causa desse amor.

E esses sentimentos somados dos segredos descobertos por Odair conduzem o espectador durante a história. É curioso ver onde os personagens se deixam levar pelas emoções. Às vezes é apenas sexo em nome do amor, sem pensar em como podem magoar alguém. Mas nesta história há quebras de barreiras.

Em certo ponto, uma personagem trai uma namorada. E o amante começa, aos poucos, a ser envolvido no relacionamento das duas. Apesar de questionar, ninguém julga. Eles apenas estão felizes por ter mais gente feliz. Mesmo quando há um ato que gere sofrimento do próximo, eles compreendem que não existe maldade, apenas sentimentos. É inocente até certo ponto, mas ninguém é mau ou bom. Apenas são pessoas.

homens da família no hospital
Homens da família esperam no hospital depois de uma briga.

Além disso, a roteirista e diretora Monique Gardenberg explora a próprias estética do brega para fazer a construção técnica da narrativa. Apesar das cores saturadas, a iluminação joga sombras em tudo. Em grande parte porque o universo dos personagens na boate Paraíso Perdido é quase um refúgio da vida real. Eles cantam, amam e se divertem, mas de dia entregam pizza, trabalham em salões de beleza e vivem no modo automático. Há algo escondido por trás da exuberância noturna.

Na saturação das cores, o verde apresenta o sofrimento belo enquanto o vermelho é a alegria intensa. Quando o azul é utilizado, é apenas para a tristeza pura. Não à toa, as tonalidades são apresentadas nas roupas, nos cenários e na fotografia, o que faz do filme ainda mais belo. Mesmo que Gardenberg não busque exuberância nos movimentos e nos enquadramentos.

Os atores estão ótimos, com destaque para Jaloo, que dá energia para Imã mesmo na tristeza dele. Ele sabe dos preconceitos e os aguenta de cabeça erguida porque sabe que é como travesti que é realmente feliz. Júlio Andrade, Hermila Guedes, Seu Jorge, Julia Konrad, Malu Galli e até a cantora Marjorie Estiano sustentam a qualidade dos personagens e das interpretações.

Odair com Milene.jpg
Até a Marjorie Estiano rouba a cena do global Lee Taylor.

Quem fica de fora mesmo é Taylor. De todo o elenco, é o que fala com menos naturalidade, como se estivesse mais preocupado em enunciar as palavras em todas as sílabas que em atuar. O que, de certa forma, condiz com o personagem, que é o único que nunca se adequa à estética brega. Também o único que usa tons neutros.

O filme sofre também com a montagem, que erra em alguns cortes bruscos. No entanto, Gardenberg equilibra isso com o uso de sobreposição de músicas bregas nas cenas dramáticas. Como se as músicas contassem as histórias. Ou se o próprio filme fosse uma costura dos temas mais marcantes da estética.

Um filme que merece ser descoberto. Mesmo que use e explore a breguice, nunca se torna kitsch, o que apenas realça o merecimento da diretora. É uma ode a um traço da cultura brasileira que deveria ser mais valorizada. Se dependesse de Monique, como ocorre nesse filme, estaria muito vivo.

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