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O Vendedor de Sonhos (2016)

Crítica da analuizamedeiros.com

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Renomado autor do gênero da autoajuda, o psicoterapeuta Augusto Cury teve seu livro O vendedor de sonhos adaptado para o cinema, com direção de Jayme Monjardim e grande elenco.

A trama acompanha Júlio César (Dan Stulbach), um psicólogo amargurado que, após ser salvo de uma tentativa de suicídio por um morador de rua (César Troncoso) com uma mensagem de esperança, passa a segui-lo pelas ruas movimentadas de São Paulo numa jornada de aprendizado sobre valores humanos e novas formas de ver a vida, ajudando também outras pessoas que enfrentam situações limite.

Inicialmente, não há nenhuma interação entre o personagem de Stulbach e qualquer outra pessoa no mundo, e o encontro imediato que temos com sua situação desesperadora não nos permite formar vínculos emocionais. Por isso a dor do personagem não chega ao espectador, que se sente totalmente alheio ao fato de que ele poderá ter ou não sucesso em sua tentativa de se jogar do parapeito do décimo primeiro andar de um prédio comercial de luxo.

Ao sermos introduzidos ao personagem central, o morador de rua chamado carinhosamente de Mestre por aqueles que o seguem, a dinâmica entre ele e seus seguidores fica absurdamente clara. Ele prega o desapego das coisas materiais e dos valores capitalistas ao alegar que somos todos escravos do sistema, mas apresenta em contrapartida uma existência indigente, improdutiva e pobre de dignidade. Dificilmente algo que pareça tentador a qualquer um que não esteja em situação limítrofe, tal qual o personagem de Stulbach. Isso fica ainda mais evidente nas reações que as outras pessoas, que acompanham a saga do Mestre pelas redes-sociais, exibem. Encontram muito significado em suas palavras sábias e bem articuladas, mas não demonstram interesse em se aprofundar no assunto. Ele é apenas o vídeo viral da semana.

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Mendigo, sábio e trágico.

O texto roteirizado por L.G.Bayão – O Shaolin Do Sertão (2016) e O Suburbano Sortudo (2016) – tenta desesperadamente dar profundidade ao tema, que já é por si só sensível e cheio de nuances, mas termina por cansar os ouvidos. Tratado de forma literal, o diálogo expõe mecanicamente aquilo que preenche as páginas da obra original, e peca por não trazer para o mundo real a forma coloquial com a qual o tema emocional e psicológico deve ser tratado. Afinal, é preciso se sentir engajado para tomar parte no processo terapêutico. O texto apenas se sobrepõe em momentos muito pontuais, quando pérolas de um pseudointelectualismo deixam os lábios de Troncoso e recuperam a atenção de quem já havia mudado seu foco de volta para a tela. Tais como “Sou apenas um caminhante que perdeu o medo de se perder”, e “Vai me julgar pela minha aparência ou pelas minhas ideias? ”.

A direção geral de Jayme Monjardim – Divã (2011), Maysa: Quando fala o coração (2009) e Olga (2004) – não se destaca, e seu elenco estrelado se traduz em personagens apáticos e talentos mal aproveitados. Chama mais atenção a direção de fotografia de Nonato Estrela – Muita calma nessa hora (2013), Cilada.com (2012) e Divã (2011) – que delimita as ruas da cidade com destreza, e traduz os dois ambientes: o rico e clínico, e o popular e corriqueiro. Uma cena em particular demonstra sua sensibilidade quando a noite da cidade é revelada através de uma bela imagem do skyline de São Paulo, com os personagens centrais de Stulbach e Troncoso, juntamente com os personagens de apoio interpretados por Kaik Pereira e Thiago Mendonça. São vistos juntos, sentados a observar o horizonte enquanto dividem mais um dos muitos momentos de honestidade emocional nua e crua.

A alegoria ao relacionamento de Jesus Cristo com seus mais íntimos apóstolos fica clara com o chegar dos minutos finais, e, com a oportunidade de negar a seu mestre, Júlio César por um momento abandona seus ensinamentos e supostas afeição e gratidão que teria pelo homem que o salvou, ao deixar que o passado perturbador do Mestre seja exposto e ridicularizado em rede nacional. Mas, como não houve apego por parte do espectador para com o relacionamento dos dois, dada a rapidez com que passou de inexistente para profundo e fundamental, acabamos por não tomar partidos, ou mesmo se emocionar com a virada de caráter que ambos apresentam.

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Dan Stulbach concentrado demais.

Um personagem central, que diga-se de passagem possui um sotaque pesado ao falar o português melódico dos estrangeiros (Troncoso é uruguaio), nunca é questionado de verdade pela sua origem, ou finalidade. Pretende captar nossas emoções, para que terminemos por admirá-lo e sentir pena da tragédia que o levou a vagar as ruas em mendicância, mas no final das contas se torna impossível se sensibilizar por um personagem que não demonstra crescimento algum em todo o filme, e apenas segue esbanjando ensinamentos a todos a sua volta, quer procurem ajuda ou não.

Finalmente, Guilherme Prates dá vida a João, filho de Júlio César, que apesar de receber nada mais do que meros dez ou quinze minutos de tela, consegue se destacar pela forma como entrega tudo que possui ao personagem, escolhendo pausas e lágrimas bem dirigidas para, finalmente, render a quem assiste um pingo que seja de apego emocional para com a trama central, fundamentada na relação entre pai (Stulbach) e filho (Prates).

Um filme que procura de todas as formas te fazer refletir, penetrar a natureza humana e trazer à tona qualquer semelhante sensação de impotência diante dos desafios da vida, mas termina por se tornar raso e distante daquilo que a maioria das pessoas considera como problemática oriunda da humanidade de todos nós. Ficamos de cá, a observar, enquanto eles tentam de lá, fazer com que você simplesmente se importe, sem entregar meios para tal.

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