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O Regresso (The Revenant – 2015)

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A história de sobrevivência de Hugh Glass é famosa dentro dos anais da colonização americana. A brutalidade e a crueza com a qual o homem real se deparou serviu de inspiração para o novo filme do diretor mexicano, Alejandro González Iñárritu, depois da adoração de Birdman. Mas o realizador possui uma carreira tortuosa que varia entre a excelência de coisas como 21 Gramas e a falta de conteúdo de Biutiful.

Uma expedição de caça dentro do território natural estadunidense nos anos 1820 sofre um golpe duro quando o grupo é atacado por índios e perde mais da metade dos homens. Enquanto fogem de volta para a civilização, o guia Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) é atacado por um urso. Incapazes de carregá-lo em um estado próximo da morte, deixam ele para trás com três homens, um deles o filho de Glass, que deverão vigiá-lo até a morte e dar um enterro apropriado para ele. Preocupado com a presença dos índios, John Fitzgerald (Tom Hardy) mata o filho de Glass e o enterra vivo para ir embora mais cedo. Glass consegue sobreviver, sair de debaixo da terra e começa a se arrastar atrás dos companheiros enquanto é caçado pelos indígenas.

A trama é, simples assim, sobre vingança e sobrevivência. Iñarritu explora o longo e tortuoso trajeto de Glass através de planos que misturam a admiração com o receio da natureza. À medida em que Glass sobrevive e encontra vida através dela, o filme busca criar uma introspecção acerca das relações humanas com os meios. Isso se revela tanto pela forma como Iñarritu filma como escreve o roteiro, que também tem participação de Mark L. Smith.

As relações de Glass com a natureza é refletida na relação dele também com os indígenas. O filho dele é fruto de uma relação com uma representante da tribo Pawnee, inimiga dos Arikara, que o perseguem. Ele cresce com parte dos “selvagens”, assim como sofre com a outra metade. E a forma como interage com eles através de pequenas escolhas altera as relações. O contrário do que acontece com os “civilizados”, que ganham maior representação em Fitzgerald, uma ameaça constante ao meio por medo. Tudo isso, dentro do texto, é muito significativo e bem fechado. Os Arikara perseguem o grupo porque a filha de um deles, Powaqa foi sequestrada por homens brancos. O que será importantíssimo através da história e para o final.

Tom Hardy soberbo
Tom Hardy como Fitzgerald. Bom personagem com escolhas incoerentes.

Infelizmente, o roteiro peca em outras características. Em diversos momentos, se permite ser incoerente. Principalmente na cena de traição de Fitzgerald. O personagem, complexo e muito bem realizado faz tudo em nome da sobrevivência. Mas as escolhas de matar o filho de Glass e enterrá-lo vivo decorrem de uma série de enganos e erros. Depois disso, ele simplesmente muda um monte de decisões que facilmente resolveriam todos os problemas. Ao invés disso, se coloca em mais perigo do que precisa estar. Isso porque é o personagem mais inteligente da obra.

Na direção, Iñarritu abusa dos talentos do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, que engrandecem os cenários naturais e os próprios personagens dentro deles. Tudo em nome da introspecção. O que é uma escolha lógica, uma vez que Lubezki é o fotógrafo de filmes como Gravidade, Filhos da Esperança, Árvore da Vida e O Novo Mundo. Principalmente como nos filmes do diretor Terrence Mallick, em que Lubezki filma com o uso de luzes naturais. O recurso é repetido aqui com lentes de grandes ângulos, mas sem distorção das imagens. O resultado é que os atores, em close, ficam imensos e o cenário permanece grande mesmo na aproximação dos personagens. Tudo com grande beleza e planos evocativos.

A escolha, porém, se revela um equívoco. Ao mesmo tempo em que faz com que os momentos de interação com a natureza sejam grandiosos e introspectivos, os contextos da trama fazem com que a introspecção seja vazia. Toda a tensão do horror da jornada de Glass se perde quando o filme tenta ser introspectivo com os planos longos para imagens da natureza enquanto o protagonista a observa admirado. O que é um problema, porque as reflexões da trama não geram pensamentos suficientes para que esses enquadramentos não sejam mais do que chatos. E como o filme tem duas horas e meia, isso não é bom.

bichinho fofo
Urso digital impressiona pelo realismo e gera cena tensa.

Planos longos, lentos e de extrema beleza não conseguem esconder o absurdo de Glass decidir acampar próximo de lobos. Nos momentos de tensão, a falta de corte deixa as sequências mais tensas. Quando a companhia enfrenta índios pela primeira vez, é um plano sem cortes que insere o espectador na ação e o faz sentir o medo das flechas com as várias e sangrentas mortes que seguem. Iñarritu também usa uma extraordinária computação gráfica para acrescentar à sensação de realismo. A já famosa cena de ataque do urso impressiona. A câmera se arrasta pelo chão junto com Glass enquanto o urso digital o dilacera aos poucos. O animal parece completamente real, é preciso muita atenção nos mínimos detalhes e compreensão de efeitos especiais para perceber que ele não existe no set junto com DiCaprio.

O ator está ótimo, mas o personagem Glass não tem muitas emoções para expressar além de alguns momentos pontuais de desespero. A entrega física, porém, impressiona. Ele come um peixe e um fígado crus, tudo real. Infelizmente, comer essas coisas não é interpretação, mesmo que revele uma vontade de entrega que fica vazia no papel. Tom Hardy é o oposto. Nada de entrega física, mas muitos sentimentos e nuances faciais. Como o personagem dele é muito mais complexo, Hardy engole DiCaprio sempre que aparece em cena. Se o filme é de alguém, é dele. Vale dar destaque para a participação dos coadjuvantes Domhnall Gleeson e Will Poulter. Simpáticos e eficientes, sustentam as participações individuais mesmo diante dos dois grandes astros que lideram o filme.

O Regresso é uma realização técnica estonteante que merece ser experimentada dentro de uma sala de cinema. Mas é preciso levar em conta que se trata de uma realização vazia em termos de conteúdo. A trama de vingança à qual se reduz diminui a potência da jornada e faz com que o que poderia ser ótimo se torne apenas chato por não dar para o espectador o que pensar sobre o que vê. Introspecção pode ser ótima no cinema, mas forma sem conteúdo não funciona.

 

ALLONS-YYYYYYY…

0 comentários em “O Regresso (The Revenant – 2015)

  1. O Regresso tem as cenas de ação (mesmo que poucas) mais factíveis que já vi na telona. Não é necessário comentar o quão boa é a cena do urso, mas também as batalhas te fazer gemer de dor junto com a vítima em cena, é realmente impactante. Mas saí do cinema perplexo e ao mesmo tempo com a sensação de vazio. O primeiro sentimento se dá devido às batalhas citadas. Mas por outro lado, a história em si é bem rala e linear, nada de impressionante e isso é triste. Penso às vezes se o filme não foi feito exclusivamente para o protagonista e antagonista ganharem a tão estimada estatueta do oscar.
    Mas tenho duas coisas curiosas que me chamaram a atenção no filme. A primeira é uma parte em especial do nosso querido Leo expirando na câmera e a embaçando, isso me tirou um pouco da imersão na cena. Pode até ter seu propósito, mas achei particularmente estranho. A outra foi uma cena focalizando a lua, mas não naquele foco que conhecemos em grandes filmes com a lua gigante e esplendorosa, mas sim feita bem de longe, como se fosse uma filmagem por celular, mas ok até aí, o problema é que a cena dura tanto tempo que cheguei a olhar para minha esposa e perguntar se está tudo certo com o filme.
    Fui explicar do que o filme se trata para meu pai e demorei 15 segundos. Não tem muito o que explicar em sinopse, o foco do filme fica por conta das atuações e reflexões. De qualquer forma estou na torcida para vencerem no oscar 2016.

    1. Concordo quase que inteiramente com você, Renato. A cena do bafo me tirou completamente do filme. Só discordo porque espero que ninguém ganhe o Oscar por essa experiência vazia.

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