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O Insulto (قضية رقم ٢٣ – 2017)

Tony e Yasser no estacionamento

Uma parte boa das artes é que elas são globais. E como o mundo é dividido em inúmeras culturas diferentes, com formas diferentes de pensar, agir e lidar com as coisas, acompanhar produções artísticas de vários países diferentes permite às pessoas reflexões novas e enriquecedoras. Felizmente, com o prêmio de melhor filme estrangeiro, coisas como este O Insulto chegam no nosso circuito comercial.

E que ideia maravilhosa essa de contar o conflito entre dois homens que vira o conflito de um país. Tony (Adel Karam) rega as plantas na varanda e a calha quebrada acidentalmente molha Yasser (Kamel El Basha). Esse pequeno choque gera um insulto, que se torna um processo, que aumenta os ânimos da população do Líbano.

Isso porque Tony é um cristão que perdeu muito com a invasão dos palestinos durante a guerra no passado, e Yasser é um palestino refugiado que vive sem pátria, com o preconceitos dos libaneses e com a memória de ser perseguido pelos israelenses. Como as falas repetidas do filme fazem questão de deixar claro: não é sobre uma calha, um soco ou um insulto. É sobre a memória de dois povos forçados a viver juntos.

Tony com a esposa grávida
Tony com a esposa grávida. Vontade de gerar um mundo melhor para o bebê.

Mas os roteiristas Joelle Touma e Ziad Doueiri (este também diretor do longa) têm noção da obviedade e começam a narrativa com um tom de ironia. É apenas hilário ver a forma como esses dois homens ficam emburrados e agem como crianças. Simplesmente porque um é palestino e o outro cristão. Mais engraçado ainda é ver como as pessoas ao redor ficam chocadas com eles.

O humor funciona por duas razões. Primeiro porque a situação é absurda, mas os atores a interpretam com seriedade. Também porque, apesar de ser ilógico, é verossímil. Não porque o mundo sem sentido, mas porque as pessoas não conseguem ser racionais. O que também faz com que a piada sirva de reflexão e crítica.

Com o aprofundar da briga e o aumento do escopo político, o filme fica cada vez mais sério. Principalmente enquanto os dois percebem as consequências desproporcionais de um pouco de água em uma calha quebrada. O que conduz a momentos inspiradíssimos, como a cena em que o carro de Yasser para de funcionar. Eles são cidadãos civilizados que se deixaram levar por momentos turbulentos.

Yasser com a esposa
Yasser com a esposa. Situação política conflituosa no Líbano.

Talvez seja um dos temas mais interessantes de se trabalhar em histórias, porque a civilidade é um desafio que pode ser terrivelmente frustrante em uma espécie tão emotiva. Qual o valor do convívio pacífico quando há culpa e vítimas para todos os lados? Será que vale a pena lutar por isso quando o sentimento de justiça clama por sofrimento de outro?

Justamente por fazer as perguntas corretas, certos problemas do filme se tornam ainda mais fortes. Como o fato de que a história da produção passa a se focar mais no desenvolvimento do julgamento que nos dois protagonistas. Assim, a parte política parece se tornar mais importante que a narrativa, o que a faz ser mais fraca.

Ainda assim, trata-se de uma produção que chega com ar de irreverência. Em parte por ser feito em uma cultura de métodos e reflexões diferentes, mas principalmente por usar humor e métodos conhecidos de maneira que parece nova.

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