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O Homem da Terra (The Man from Earth – 2007)

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O que acontece quando um péssimo diretor, que entende pouco do que faz, pega um ótimo roteiro, um elenco dividido entre bons e maus atores e é forçado a se limitar, devido às características da história que tem que contar? O resultado é um surpreendente filme cult, que ganhou um séquito de seguidores ao redor do mundo por todos os motivos corretos.

A razão principal é uma premissa que envolve a despedida de um professor universitário de história, chamado John Oldman (David Lee Smith), dos amigos que dão aula no mesmo lugar. Oldman pediu demissão e vai se mudar para outra cidade qualquer, que não compartilhou com eles. Durante a tarde que passam juntos, ele faz uma proposição científica: como seria um homem do período paleolítico que não morre nos tempos atuais? Depois, outra ainda mais curiosa: ele é este homem.

O grupo de pessoas para quem ele faz o questionamento não poderia ser melhor. Um dos colegas é arqueólogo, outro é antropólogo, o terceiro é biólogo, e chega mais tarde um psicólogo. Segue-se uma discussão que incomoda ao mesmo tempo em que fascina a todos. Quanto mais eles levantam dúvidas sobre a existência deste homem imortal, mais plausíveis as respostas dele parecem. Tanto as científicas quanto as filosóficas.

A proposta, portanto, é simples e complexa ao mesmo tempo. 95% do filme se passa em um único ambiente, com um mesmo grupo de personagens que mantém uma mesma conversa durante toda a extensão da produção. A discussão, entretanto, é tão fascinante para o espectador quanto para os personagens.

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O antropólogo se emociona com as possibilidades científicas.

Logo no começo do filme, os créditos dizem O Homem da Terra, de Jerome Bixby. O nome do roteirista é um chamativo em especial, porque ele era um escritor de contos de ficção-científica e escreveu roteiros para séries de sucesso do gênero, como Jornada nas Estrelas e Além da Imaginação. Mas, em 2007, quando a produção foi feita, ele já havia falecido há quase 9 anos. O texto foi resgatado para ser filmado. E o motivo é óbvio: o material é ótimo.

Não apenas é feita uma proposta interessantíssima e curiosa, que precisa de reflexão, como ela é questionada exatamente pelos especialistas corretos. E, quanto mais John responde com lógica, mais parece possível que ele seja um homem das cavernas de 14 mil anos. Um dos personagens mais inteligentes do filme até comenta: “Nós não temos como provar que ele está mentindo, nem ele tem como provar que está falando a verdade”. O texto, inclusive, coloca nas bocas destes homens inteligentes os questionamentos e as conclusões que o espectador pode fazer. Como é a memória deste homem? Por onde ele andou? Ele pode se machucar? Como ele aprendeu? Por que ele não conhece tudo? O que ele pode sentir depois de tanto tempo?

Em outros filmes, explicar detalhes por meio de falas seria um grande defeito. Quase um recurso preguiçoso, mas aqui é parte da proposta. O conceito é discutido exatamente para que o espectador compreenda tanto quanto os personagens. Até pequenas alegorias, como o momento no qual o grupo se senta ao redor da lareira, igual homens da caverna supostamente se sentavam ao redor de fogueiras, é comentado com ironia por eles.

São inúmeras as reflexões. Exatamente por existir por tanto tempo, John não tem efeito sobre o mundo. Ele é incapaz de fazer diferença. Sempre que fez, foi mais pela capacidade de não envelhecer que pelo conhecimento adquirido. Ele não é especial, mágico ou único. Na verdade, de certa forma, John é tão pequeno e sem sentido, dentro da grandiosidade da existência, quanto qualquer outra pessoa da história. Mesmo que a “condição” dele seja invejável ou vantajosa; se de fato o é.

Essa é apenas uma das leitura sobre o filme. Existem muitas outras possíveis.

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Mulheres tratadas como inferiores. Uma bonitinha romântica, a outra tola religiosa.

Os problemas do filme se concentram quase completamente em uma única pessoa, o diretor Richard Schenkman. A carreira deste homem é composta por filmes vagabundos feitos diretamente para a TV e este O Homem da Terra. A incapacidade de Schenkman reflete negativamente na imagem da produção. Literalmente, a fotografia é horrorosa. Feita de luzes laterais duras e luzes de compensação, faz com que os quadros e planos pareçam amadores. De vez em quando aparece uma ou outra cena inspirada, como a que se encontra no topo deste post.

Alguns dos atores são maravilhosos, como Tony Todd. Figurinha típica de filmes clássicos de terror, ele faz o antropólogo com um misto de curiosidade científica e fascínio. De todos os atores, é o melhor. Mas o principal, David Lee Smith, é péssimo. Ele acha que fazer um homem de 14 mil anos que percebe o tempo quase como algo tedioso é o mesmo que não expressar sentimentos e falar de forma robótica.

Outros defeitos estão no roteiro. A partir de certo ponto, ele passa a falar mal de religiões quase gratuitamente. Para isso, coloca uma teóloga no grupo, e surge mais um problema. Os homens são intelectuais, as mulheres tolas, feitas ou para ser par de alguns deles, ou para ser atacada por acreditar em religiões.

Não são pequenos detalhes que passam batido. Na verdade, incomodam muito. Deixam o filme com jeito de produção menor, escrita e dirigida por pessoas que, apesar de inteligentíssimas, carregam uma carga de intolerância retrógrada. Mas ninguém, nem nada, é perfeito. E este ótimo e rápido filme também não.

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