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Olha o bicho vindo… (Monster Hunter – 2020)

Adaptações são complicadas sob todas as perspectivas. Basta dar uma olhada neste Monster Hunter. Dependente do material original, é preciso ser extremamente fiel. Se for desconhecido, pode inventar em cima. Se o adaptador for um gênio, pode mudar tudo. Mas como fazer com uma franquia de videogames japonesa que se resume a matar monstros cada vez maiores, sem história alguma?

Para Monster Hunter, a solução foi acompanhar um destacamento militar liderado pela capitã Artemis (Milla Jovovich) que acidentalmente é transportado para outro universo. No caso, o dos jogos eletrônicos que dão nome ao filme, cheio de criaturas gigantes e tribos de humanos que as enfrentam para fazer armas e armaduras com partes dos corpos delas. Agora, o grupo precisa arranjar um jeito de voltar para a nossa dimensão.

A proposta da nova adaptação de games do diretor e roteirista Paul W. S. Anderson é ser um arrasa quarteirões de ação e efeitos especiais. Então não importa se Monster Hunter tem uma história ou um universo coerente e rico para adaptar. O que vale para o realizador é fazer entretenimento espetacular.

Feito pra vender

Consciente disso, Anderson não pensa duas vezes antes de seguir uma cartilha básica para o mercado atual. Consegue uma empresa chinesa para participar da produção (o que garante distribuição na China), arranja um dos maiores astros de artes marciais do mundo (da Tailândia), dá papéis para estrelas de países latinos (Nanda Costa foi parte fundamental da divulgação no Brasil, por exemplo).

Isso sem falar com a escolha de Monster Hunter, uma das franquias de games que mais faz sucesso no Japão. São detalhes cuidadosos de um produto feito para vender em vários mercados. E isso se reflete na narrativa. Desde enquadramentos que remetem a coisas populares, como Duro de Matar, até a base da trama que segue a nova moda de multiversos.

Monster Hunter poderia, então, cair facilmente na linha de um filme industrial e sem personalidade. Mas, por grande parte da sessão, ele reflete o que Anderson fez de melhor na carreira: o horror cult O Enigma do Horizonte.

Terror batuta

Apesar do que foi mostrado nos trailers e nos materiais de divulgação, Monster Hunter é um filme com muitos elementos de terror. Pelo que talvez seja metade da produção, o espectador acompanha Artemis e seus subordinados serem comidos, esmagados, envenenados, partidos em pedaços, usados como bolsa para colocar ovos de monstros e fugir de tocas cheias de bichos nojentos e rastejantes.

Muitos desses momentos são perturbadores e repletos de sustos. Toda a sequência relacionada a um ninho de nerscyllas (aranhas gigantes) lembra muito o excelente Abismo do Medo. E Anderson desenvolve a jornada por sobrevivência aos poucos. Cada cenário e etapa da viagem bem construídos. Há um ciclo de história apenas para que os personagens compreendam o comportamento e as habilidades de cada monstro.

O mesmo acontece com a comunicação com o personagem chamado apenas de caçador (Tony Jaa). Por falar uma língua diferente, ele e Artemis recebem um ciclo narrativo longo e detalhado para que a amizade e os planejamentos deles sejam compreensíveis e verossímeis. Está no cuidado dele com estátuas que representam a família perdida. Ou em como ele aprende o significado da palavra isca.

Derrapagem na linha de chegada

Ainda há defeitos nesse trecho. Anderson gosta de montar todas as cenas dos filmes dele com cortes entre planos abertos para closes em detalhes. Inclusive nas perseguições e lutas. O que torna muitos dos momentos de ação incompreensíveis. O primeiro ataque do diablos (uma espécie de touro misturado com toupeira gigante) ao grupo militar inclui várias mortes. Com esses cortes, às vezes não dá para saber qual personagem morreu, e onde.

Até o fim do segundo ato, Anderson conduz bem Monster Hunter. Mas, quando o terceiro vai começar, parece que ele lembra que tem que terminar o filme e fazer uma penca de referências para agradar os fãs do game. Então enche a história de explicações pela metade. Como um nativo da outra dimensão que aprendeu inglês através de estudos de textos antigos, mas mesmo sem prática, fala sem sotaque.

Sem contar com o acréscimo de elementos dos jogos que não funcionam bem com o que havia sido mostrado até então. Por exemplo, os famosos amigatos (palicos nas versões em inglês dos jogos) são representados por um gato cozinheiro humanóide e inteligente. Existem outros animais como aquele? Até então, só foram mostrados monstros gigantes. Além disso, se não existe línguas daqui naquele mundo, de onde saíram nomes como amigato ou diablos?

Gosto amargo

Esse senso de pressa segue até os créditos começarem a rolar. No terceiro ato, os efeitos especiais parecem perder qualidade, a trama faz saltos de lógica, e o fim não apresenta conclusões ou resoluções. É como se Anderson tivesse aproveitado todos os recursos disponíveis até o fim do segundo ato, então o dinheiro acabou e o diretor finalizou Monster Hunter com o que tinha em pouco tempo.

Assim, o filme que seguia uma narrativa decente, com ótima qualidade técnica e poucos erros do diretor, fecha com uma sensação amarga. Como se tudo fosse apenas um pontapé inicial para a construção de mais alguma franquia grandiosa e sem rumo como Anderson fez tantas vezes antes.

P.S.: Há uma cena extra após os primeiros créditos.

Monster Hunter (2020)

Prós

  • Momentos de terror
  • Início entrega o espetáculo prometido

Contra

  • Fim corrido
  • Montagem acelerada estraga cenas de ação

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