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Meu Anjo (Gueule D’Ange – 2018)

Elli com a mae

Uma das maiores dádivas da vida, como muitos descrevem a experiência de ter filhos, parece desperdiçada quando se descobre histórias de pais que abandonam ou tratam mal as crianças. O tópico ganha ainda mais relevância ao discutir o fato de que os menores serão, eventualmente, os cidadãos adultos de amanhã. O que faz com este Meu Anjo já chegue com importância e coragem.

A educação de Elli (Ayline Aksoy-Etaix) é das mais problemáticas sob os cuidados da mãe, Marlène (Marion Cotillard). Alcoolista, ela não consegue manter nenhum relacionamento sem querer festejar, beber e se envolver com qualquer cara bonito que entre no caminho. O que causa uma impressão muito forte na filha de menos de dez anos.

Em uma balada, Marlène percebe que a filha a copia e bebe os restos dos copos dela. Preocupada e interessada em ir embora com um cara rico, ela manda Elli de volta para casa sozinha e desaparece. Nem a garota, nem os vizinhos e nem os amigos mais próximos conseguem contatá-la. Com essa premissa, a diretora e uma das roteiristas, Vanessa Filho, revela as consequências dessa infância em perigo.

Elli segura em barras
Elli abandonada em casa. Dificuldades no cuidado de uma criança.

Então não há pudor em revelar os momentos em que Elli bebe desde vinho, uísque e cerveja, até as cenas em que ela chega de ressaca na escola e tenta seduzir um adulto ao imitar os trejeitos de flerte da mãe. É duro, mas é uma realidade plausível para uma criança que vê a figura exemplar se embriagar o dia inteiro para ficar feliz, porque está sempre triste ou irritada na sobriedade.

Vanessa, inclusive, faz questão de filmar com câmera tremida com muitos closes. A intenção é passar a sensação de realidade com uma estética documental, como se as situações fossem capturadas por câmeras escondidas em um estudo de Elli. Esse choque nas imagens, porém, perde força porque a diretora se repete demais.

O desaparecimento de Marlène, que dá início às transformações de Elli e serve de pontapé para o desenvolvimento da trama, ocorre com cerca de uma hora de filme. Até então, o espectador é obrigado a ver a menina beber escondida da mãe inúmeras vezes depois de uma abertura longuíssima em um casamento que não tem importância alguma à história.

Julio e Elli
Elli conhece Julio. Relação mal construída.

Depois disso, Elli ainda bebe praticamente todo o estoque de bebida que sobrou na casa, além de ter umas quatro, cinco ou seis cenas em que é demonstrado algum tipo de comportamento dela bêbada ou de ressaca. Tudo a favor de mostrar essa situação inaceitável para uma criança, mas repetitivo.

Quando Elli encontra em Julio (Alban Lenoir) uma figura responsável, o tratamento dado a essa amizade é feito pela metade. Julio é mais um desatento cuidadoso que um adulto maduro. E as respostas dele tanto à menina quanto à mãe são incoerentes. É como se a diretora, junto com os co-roteiristas Diàsteme e François Pirot, não soubessem escrever para diálogos, então nem se dão ao trabalho de criá-los.

Mas Filho acerta também na direção de arte. Divide os cenários e figurinos em azul e rosa. O primeiro para mostrar o lado saudável e sóbrio em reflexo ao oceano, enquanto o segundo reflete as luzes de festas e a parte ligada à embriaguez. As cores valem para indicar os momentos, mas também são indicativas do que ocorre na cena final do longa.

Cotillard ao telefone
Cotillard. Uma potência em cena.

Mesmo com esse cuidado, Vanessa não é capaz de fazer com que as 1h48 de filme passem rápido. O choque da condição da menina é perdido com a repetição desnecessária e a duração parece muito maior do que realmente é. No entanto, sempre é válido assistir a uma interpretação espetacular de Cotillard, que rouba a produção.

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