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Mary Poppins

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Mary Poppins é um típico musical da década de 1960. Grandioso, com vários e majestosos números musicais e luzes levemente desfocadas para criar uma aura mágica. Além disso, é um clássico que conta com a magia que apenas Disney sabia como aplicar ao cinema. Tudo parece natural ao universo do filme. Mas o verdadeiro mérito se encontra na pérola do material do qual foi adaptado, os livros de P. L. Travers. Uma singela e sutil homenagem ao pai da escritora.

Jane e Michael Banks são duas crianças londrinas filhas de um banqueiro local e de uma militante sufragista (manifestantes femininas que lutavam pelo direito das mulheres de votar na década de 1960). As babás contratadas para cuidar deles não conseguem acompanhá-los, então o pai, muito severo, resolve cuidar da contratação pessoalmente e ignora a vontade dos dois por uma mulher bondosa, gentil e cuidadosa para o cargo. Em resposta, Mary Poppins (Andrews), uma babá mágica, desce dos céus e, junto com o trabalhador de ocasião Bert (Van Dyke), leva os meninos por aventuras extraordinárias.

É fácil notar que tipo de filme Mary Poppins é apenas pela sinopse. Infantil é óbvio, mas também há o fato de que a missão da babá não é mudar as crianças. Muito pelo contrário, Mary Poppins é sobre um pai desesperado e solitário que precisa de ajuda. Surpreendentemente, mesmo realizado na década de 1960 (completou 50 anos em 2014), Mary Poppins é um filme cheio de valores feministas.

Na contramão de como Disney trabalhava com estrutura narrativa, Mary Poppins não é um acúmulo de momentos que ele achava legais e divertidos. À princípio aparenta, quando Poppins ensina que arrumar o quarto pode ser divertido, leva as crianças para passear em uma pintura de giz, depois pra ajudar um homem que flutua quando ri a voltar para o chão, e ainda quando sobe para os telhados de Londres para dançar com os limpadores de chaminé da cidade. São quase duas horas de números musicais isolados. Mas todos são de suma importância para a conclusão do senhor Banks (Tomlinson). As crianças ganham pequenas lições para a vida, mas Poppins, na verdade, abre os olhos do pai.

mary-poppins-5-2O senhor Banks. Vítima do próprio conservadorismo.

Banks é o típico britânico rígido. Nunca se atrasa, não tolera brincadeiras e músicas e considera o sistema bancário, no qual trabalha, quase uma religião. A casa inteira é comandada com rigor. As empregadas, as crianças e até a esposa devem cumprir funções individuais. A mulher esconde dele que faz parte do movimento sufragista. Ela é feminista até o momento de se submeter ao esposo. Mary Poppins aparece para revirar a vida dele de pernas para o ar. Austera, elegante, rigorosa e educada, a babá nunca perde a compostura. Nota-se a inteligência do texto de como ela usa os valores para manipulá-los.

Primeiro deixa Banks confuso com uma leve mágica, depois reage à confusão com o comportamento que ele esperaria. Ele chega a acreditar que foi ele quem fechou os termos da contratação dela. Para convencê-lo a levar os filhos para o trabalho, ela o deixa fazer um longo discurso sobre valores bancários e capitalistas, cria uma rápida distração e depois sugere que ele deu a ideia do passeio com as crianças. Até o companheiro dela, Bert, vira ferramenta porque ela sabe que Banks não daria ouvidos aos conselhos de uma mulher. Então ela permite que os dois fiquem sozinhos na hora que Banks precisa das palavras certas.

As canções seguem o estilo da época. Desde a música sobre o remédio com açúcar (tema da babá), passando por letras sobre doação de dinheiro (música favorita de Walt Disney, foi tocada no enterro dele) até o tema principal, Let’s Go Fly a Kite, quando Banks finalmente decide ir brincar com os filhos. Todas são belas, mas por conta da estética do período podem ser mais longas do que deveriam. Ainda mais quando Mary Poppins coloca as crianças para dormir.

bertBert desenha os mundos por onde o grupo passeará.

A mágica de Disney se mostra presente em diversos níveis. A vida das pessoas é comum, sem que notem o pedinte com leves requintes de magia no meio da rua. Correr para acudir os móveis quando o vizinho maluco atira um canhão é cotidiano. O grande fator de transformações, porém, é sempre Poppins. Ela senta para escorregar no corrimão, mas sobe ao invés de descer, canta e ganha um back vocal na imagem no espelho. Até quando entra na pintura com as crianças, onde o mundo é mágico e feito de desenhos, ela é ainda mais mágica. O cavalo dela é mais rápido, ela dança melhor, salta mais alto, tem poder sobre objetos que os outros não tem. Até os seres animados se surpreendem com o que ela é capaz de fazer. Tudo com trucagens técnicas, animatrônicos, stop-motion e desenhos animados ao lado de atores reais.

Julie Andrews mereceu o Oscar de melhor atriz por sua interpretação de Mary Poppins. A babá é austera, mas bondosa. Elegante, mas brincalhona. Entusiasta, mas composta. Como ela mesma se mede no filme, praticamente perfeita em todos os sentidos. Dick Van Dyke brinca e faz caretas feito o humor da época pedia, mas hoje parece um pouco datado e exagerado. Ainda é preciso dar os parabéns pela capacidade dele de aprender coreografias complexas de dez minutos em apenas seis meses uma vez que ele não era dançarino nem tinha experiência profissional com dança. David Tomlinson, o senhor Banks, faz a severidade do personagem com o estilo inglês com precisão e passa por toda a tragédia dele elegantemente. Bela interpretação.

Ainda emociona ver a jornada do senhor Banks. Só por isso o filme já merece ser visto, mas ainda é a oportunidade de testemunhar parte do que era a magia Disney no máximo. É apenas uma demonstração de que filmes infantis podem ser mais que um monte de cores rápidas e divertidas.

 

GERÔNIMOOOOOOO…

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