Postado em: Reviews: Cinema e séries

Mais que Especiais (Hors Normes – 2019)

Mais que Especiais já chega com um monte de características chamativas. Além de ter sido destaque no Festival Varilux de Cinema Francês 2020 e de ter encerrado o Festival de Cannes de 2019, é a nova produção da dupla Olivier Nakache e Éric Toledano. Parece sempre haver um carinho especial dos dois com pessoas verossímeis perdidas nas idiossincrasias dos sistemas atuais.

É o caso de Bruno (Vincent Cassel) e Malik (Reda Kateb). Cada um lidera uma organização sem fins lucrativos voltada para atendimento e cuidado para pessoas com autismo. Enquanto Bruno recebe uma inspeção na instituição, Malik lida com Dylan (Bryan Mialoundama) um adolescente que está em treinamento para tratar de Valentin (Marco Locatelli) uma criança com um caso extremo do transtorno.

A proposta de Mais que Especiais é bem simples. Mostrar as condições relacionadas ao autismo e ao tratamento do transtorno na sociedade francesa (mas que provavelmente é igual, ou pior, em outros lugares). Neste caso, baseado em dois homens reais, Stéphane Benhamou e de Daoud Tatou.

Rotina desafiadora

É um recorte simples. Mais que Especiais começa na segunda, sem explicação alguma. Com o passar da semana, testemunha as dificuldades diárias dos serviços prestados. Tanto no emocional, com o desgaste de acompanhar e se esforçar por pessoas incompreensíveis. Quanto no pessoal, com as impossibilidades de manter uma vida social fora da área de atuação.

Dylan, ao ver as dificuldades de Valentin, passa a se importar cada vez mais com o garoto. Com isso, também passa a compreender as consequências. Imediatamente, leva uma cabeçada no rosto, mas ainda se anima ao ver o menino mostrar reação com equinoterapia.

Nakache e Toledano escolhem um visual que remete ao documental, com câmeras tremidas e baixas. Como se os cinegrafistas estivessem escondidos em cena para capturar cada momento. Da mesma forma, a iluminação busca dar tons naturais, como se todas as luzes fossem do ambiente. O resultado é a sensação de que o que se vê na tela é real.

Atenção aos detalhes

Para reforçar a sensação de realidade, o roteiro não se encaixa no padrão de três atos. Não há cenas de exposição ou de clímax. O espectador acompanha a rotina e as conversas aos poucos, e precisa prestar atenção em detalhes ditos rapidamente aqui e ali para compreender pequenas coisas. Foi só com mais de uma hora de filme que alguém fala que Bruno e Malik não são os chefes de uma única instituição.

Para entender, então, o que cada organização faz, é preciso lembrar de uma informação dada mais de 30 minutos antes. Ao mesmo tempo em que é mais confuso e difícil de compreender Mais que Especiais, o texto também reforça o estilo. Se qualquer um tentar acompanhar a vida de um desconhecido, precisará de tempo e de interações para aprender todos os detalhes.

Mas isso não faz do roteiro da dupla problemático. Muito pelo contrário. É impressionante como eles apresentam três núcleos narrativos interligados, além de várias histórias paralelas menores, e conseguem colocar todos os detalhes e explicações necessários no decorrer de Mais que Especiais.

Realidade sem dó

Outro destaque no texto é a capacidade usual de Hakache e Toledano de equilibrar o melodrama natural de situações extremas como o autismo, com o bom humor que todas as pessoas demonstram no dia a dia. O momento em que Dylan é golpeado por Valentin é sério, até que Malik usa a situação para fazer piada com um erro do assistente em treinamento.

Esse texto, atuado por atores excelentes faz com que cada situação aumente ainda mais o estilo proposto pelos diretores. Toda cena parece algo de verdade capturado por alguém que documenta a semana de Bruno e Malik. Justamente por isso, quando as situações ficam mais extremas, a realidade bate mais forte.

É impossível não sentir impotência quando é revelado que uma mãe pensa em matar a si e ao filho devido ao desespero de que ele jamais será capaz de sobreviver sem ela. Mesmo com um início um pouco mais lento e alguma dificuldade de compreender a trama, Mais que Especiais ainda é um filme impecável.

Mais que Especiais (2019)

Prós

  • Uso coerente de todos os aspectos técnicos
  • Emociona, diverte e conscientiza

Contras

  • Demora para envolver
  • Detalhes da história são difíceis de entender

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.