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Longe Deste Insensato Mundo (Far From the Madding Crowd – 2015)

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Um dos problemas do diretor Thomas Vinterberg é que ele é conhecido por apenas dois filmes, apesar dos 20 créditos que constam na página do IMDB dele. Por conta dessa baixa expectativa acerca dele, pouco se falou sobre esta adaptação do livro de mesmo nome em inglês (em português, o livro se chama Longe da Multidão). O que é triste, principalmente quando se leva em consideração de que é um dos raros casos de casamento perfeito entre realizador e obra a ser adaptada.

Assim como no livro, a trama se foca no romance entre a jovem Bathsheba Everdene (Carey Mulligan) e o pastor Gabriel Oak (Matthias Schoenaerts). Ela é uma mulher independente e autossuficiente na Inglaterra vitoriana. Quando ela herda uma fazendo rica em um condado rural, desperta o interesse de três homens. Além do correto e pobre Oak, o vizinho rico e mais velho William Boldwood (Michael Sheen) e o imprudente e encantador sargento Francis Troy (Tom Sturridge).

O livro original foi escrito pelo autor Thomas Hardy para tratar sobre os problemas e dificuldades que poderiam acontecer com os diferentes tipos de relacionamentos românticos em uma sociedade tão rígida e severa quanto a britânica daquele período. Vinterberg encontra conexão entre essas discussões com problemas contemporâneos também relacionados com amor romântico.

O roteiro de David Nichols é sucinto. Diálogos extensos que normalmente seriam usados para explicar coisas desnecessárias são deixados de lado. E Vinterberg se esbalda nas possibilidades. Não é preciso que Bathsheba explique para um ou outro personagem como se sentiu atraída por Troy, basta vê-la reagir aos galanteios do soldado. O espectador já sabe que ela se encantou por ele. Nichols escreve uma cena em que Troy se revela hábil com a espada e Vinterberg filma com cuidado para destacar como Bathsheba se inflama sexualmente.

o sargento com ela
Troy seduz Bathsheba. Iluminação e cenários condizem com os sentimentos.

Mas o diretor faz mais na condução das cenas. Um dos nomes principais do movimento Dogma 95, usa a câmera tremida como se o espectador fosse uma pessoa que participa dos cenários. Mas nunca deixa de fazer um close ou um plano geral, mesmo entre os longos movimentos dos atores nos campos abertos da Inglaterra rural. Mais interessante do que isso, ele usa o cenário e os elementos para criar ambientação. Quando Troy seduz Bathsheba em um encontro romântico, as árvores altas que os cercam e a semi-escuridão dão sensação de segredo proibido. A umidade na vegetação e na baixa neblina indicam uma sensualidade. Quando ela descobre o erro de um casamento, a chuva cai sobre ela e Gabriel, que lamentam na noite escura. Isso sem nunca perder a beleza das localidades.

O resultado da escolha de linguagem é um filme que corre rápido, apesar das muitas e complexas reviravoltas. É, como no caso dos melhores melodramas, divertido ver os absurdos de sentimentos que esses personagens se permitem sentir e esconder entre eles. Ao mesmo tempo que eles são identificáveis pelo sofrimento, também despertam curiosidade sobre o que mais pode acontecer a seguir.

A discussão aborda três tipos de relações que podem acontecer. Um desejo sexual impulsivo, um romance que faz com que a pessoa sofra e espere sozinha e uma vontade de estabelecer a vida própria às regras sociais através da união com outro alguém. Não é incomum que as pessoas confundam os três. Afinal, quem nunca se sentiu apaixonado por aquela pessoa que não conhece, mas foi tão sedutora em uma festa? Ou pensou em como seria boa a vida ao lado de alguém que seria um bom companheiro, mesmo que não nutrisse sentimentos pela pessoa? Ou achou que o melhor a fazer depois de uma desilusão é ficar sozinho e esperar pelo outro?

Michael Sheen
Michael Sheen como Boldwood. Amor que se adequa aos padrões sociais.

Se a discussão é interessante (ainda mais para alguém cínico como o autor deste texto), as soluções são questionáveis. Assim como em Anna Karenina, uma adoração ao trabalho duro idílico e a uma retidão impossível são o foco da história. Gabriel surge não como uma pessoa, mas como um ideal. Ele é o homem moral perfeito. Não importa o sofrimento ou a perda, ele faz o que é correto e aguenta a dor que Bathsheba impõe sobre ele repetidas vezes. É quase um convite à autodestruição. O comportamento dele não é saudável e a exaltação que é feita sobre ele é perigosa.

Não é preciso falar muito do elenco. Quando se tem nomes como Carey Mulligan, Michael Sheen e Juno Temple em um filme de um excelente diretor de atores como o Vinterberg, pode-se ter a certeza de que se verá grandes interpretações. Todos trabalham muito bem a limitação da severidade social da Inglaterra vitoriana. Os personagens são vulneráveis sentimentalmente, mas se sustentam pela necessidade do comportamento adequado, mesmo quando este os oprime.

Com exceção do fim do filme, é possível notar um cinismo acerca das relações românticas que faz rir para quem já sofreu demais e cria tensão naqueles que se encantarem pelo casal idealizado na história. A discussão é relevante e a parte técnica impecável. Uma grande obra pra se assistir.

 

ALLONS-YYYYYYYY…

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