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Inferno (2016)

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Inferno não oferece, nem promete, muita originalidade. É a segunda continuação de um sucesso de dez anos adaptado de uma série de livros inspirados em filmes antigos. Na verdade, as próprias versões cinematográficas são consideradas fracas. O que a terceira incursão do simbologista Robert Langdon (Tom Hanks) nos cinemas pretende é exatamente o contrário: mais suspense rápido baseado em fatos históricos interessantes. Ou seja, mais do mesmo.

Se bem que há uma novidade. Dessa vez as correrias não envolvem questionamentos sobre a fé cristão e os valores da existência divina. Langdon acorda em um quarto de hospital e é atendido pela médica Sienna Brooks (Felicity Jones). Por conta de uma concussão na cabeça, ele não lembra das últimas 48 horas. Durante a consulta, os dois são atacados por uma policial estranha e fogem pelas ruas de Florença. Aos poucos, descobrem que estão no meio de uma corrida por uma ameaça biológica que pode matar metade da população humana.

A proposta para a sinopse é tão batida que um texto não seria suficiente para citar todas as histórias que começam de forma parecida. Até Se Beber, Não Case começa com personagens desmemoriados que precisam desvendar os eventos esquecidos para resolver algum tipo de problema. A ideia é tão simples quanto clichê: personagens correm de um perigo para outro enquanto desvendam pistas para um mistério.

É o que foi tentado nos dois filmes anteriores. Com sucesso na adaptação de Anjos e Demônios e miseravelmente errado em O Código da Vinci. Para este terceiro, o roteirista do bom foi chamado de volta. David Koepp não comete o erro de deixar que o lado histórico, e também fascinante, das pinturas, literatura e arquitetura ofusque o que é realmente importante na produção. O suspense e o mistério.

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Langdon e Brooks no Salão dos Quinhentos. Mistério e aventura por meio de arte histórica.

Ao invés de fazer com que o protagonista faça discursos sobre como o poema A Divina Comédia significou isto ou aquilo, ele apenas diz o que útil para o enredo. Tanto o é que uma das partes mais importantes acontecem no Salão dos Quinhentos (um espaço imenso em um prédio chamado Palazzo Vecchio cheio de pinturas imponentes). O filme sequer se dá ao trabalho de explicar os valores das construções, obras de artes e dos artistas. Uma pintura dá uma pista, outra passagem secreta vira palco para uma perseguição. Tudo funciona em favor da tensão e do suspense.

E Koepp também não comete o pecado da pressa. Ao mesmo tempo em que deixa de lado o desnecessário, ele permite que o importante seja bem explicado. Talvez até demais. Quando Langdom descobre a participação de um aliado chamado Ignazio na trama, não basta que a descoberta seja o suficiente, é preciso que o herói tenha alucinações com o amigo para que o espectador compreenda a relevância dele. O ritmo é bom e acelera aos poucos, até chegar ao clímax tenso, em que os obstáculos se somam e todos os personagens do “bem” precisam trabalhar em conjunto.

No desenvolvimento, há outro clichê que enfraquece a trama. Uma das reviravoltas é do tipo não twist. Mas ela serve à única novidade do filme para a franquia. Um dos temas de Inferno é relacionamentos mal concluídos. Sobre as mágoas que ficam e como as pessoas estão dispostas a repará-las ou se ver presas ao passado. Tudo muito superficial, mas tratado com sutileza e sensibilidade. Não é o que faz com que o filme seja bom, mas acrescenta um tempero saboroso à mistura.

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Alucinações com detalhes d’A Divina Comédia.

O diretor Ron Howard retorna para o comando da franquia e acompanha bem o tom que Koepp dá para o roteiro. Quando Langdon tem alucinações por causa da perda de memória, corta de enquadramentos abertos para planos com distorções que fazem com que o espectador veja os horrores que o personagem vê. Nisso, tudo auxilia. Desde a montagem, que faz com que pessoas mordidas por cobras apareçam e sumam por trás do protagonista, passa pela trilha sonora, que cria ruídos entre as visões, até os efeitos especiais, que recriam detalhadamente as punições do poema A Divina Comédia.

Howard também não tem pudores em fazer com que as cenas sejam brutais. Existem duas mortes de pessoas que caem de grandes alturas. Nas duas, ele mostra detalhadamente o que acontece com um corpo quando uma pessoa sofre este tipo de fatalidade. Pode parecer brutal e desnecessário, mas serve para a construção do perigo constante da produção.

Hans Zimmer retoma o tema icônico Chevaliers de Sangreal, que compôs para o primeiro filme. Aqui, as notas ganham contornos eletrônicos com leves batidas repetidas para que a música pareça um relógio em contagem regressiva. Faz com que o ritmo seja sentido com mais intensidade.

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Tom Hanks retorna como Langdon. Cada vez melhor como o personagem.

Hanks retoma Langdon sem muito esforço. Ele parece cada vez mais com um professor universitário inteligente que se vê metido em uma situação absurda. Ao contrário do primeiro filme, quando era retratado como uma pérola brilhante e intocável. É o aspecto de pessoa comum que o torna identificável. Felicity Jones mantém a inexpressividade de A Teoria de Tudo. A torcida é que ela se revele como atriz no Star Wars que estrelará em dezembro. Além deles, o filme conta com participações de grandes intérpretes como Omar Sy, Ben Foster e Irrfan Khan. A pouca aparição de todos eles é um pecado, mas toda chance de ver o Ben Foster no cinema é uma boa oportunidade (com exceção de Warcraft, em que ele só passa vergonha).

Inferno não passa de mais do mesmo. É mais um suspense do personagem Robert Langdon com correria e mistérios sobre obras de arte e história. Mas é um suspense bem conduzido e divertido que peca em dois quesitos importantes: ser clichê em termos de trama e reviravolta e não ter profundidade.

 

P.S.: Para os fãs do livro, existe um pecado a mais. A extraordinária discussão proposta no final da versão literária foi cortada. Haverá outro texto para tratar das mudanças na adaptação.

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