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Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

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Finalmente chegou. A adaptação do famoso curta Eu Não Quero Voltar Sozinho para um longa causou hype e já é considerado um sucesso. Reconhecido em Berlin com dois prêmios, o filme já tem presença confirmada dos fãs brasileiros. Não é a toa, uma vez que não só os personagens principais retornam, como os atores também.

Leonardo é um adolescente cego que precisa lidar com o ambiente superprotetor criado pelos pais. Sua melhor amiga, Giovana, está tentando descobrir junto dele a sexualidade. Um novo aluno da sala dos dois, Gabriel, acaba criando um triângulo amoroso e abalando as estruturas da vida de Leonardo.
É mais um filme sobre o universo adolescente. Não tenta reinventar a roda nem ser panfletário. O nome deixa bem claro sobre o que o filme é. É um jovem tentando encontrar independência e, através desta, descobrir sua identidade. Para isso, Daniel Ribeiro, roteirista e diretor tanto do curta como do longa, apresenta diversas representações dos problemas pelos quais adolescentes comuns passam sem apelar para temas mais melodramáticos como drogas e outros infortúnios que podem surgir nessa etapa da vida.
É onde se encontra o grande acerto de Ribeiro. Ele é honesto com os conflitos pequenos e padrões. Não é preciso haver gravidez ou outra grande transformação que beira a tragédia. As mudanças do corpo e da mente já são confusas e complicadas o suficiente sem isso. Basta que Leonardo se veja cansado das asas da mãe, que tem seus motivos para ser protetora, e em dúvidas graças aos questionamentos da amiga para que ele sofra um conflito humano interessante e comovente.
Nem mesmo a cegueira é motivo para o melodrama. É tudo tratado com sensibilidade. A condição cria dificuldades e um jeito diferente de lidar com as questões, mas não é um problema real no universo adolescente. Para representá-la, Ribeiro brinca à vontade com o foco. Em diversas cenas, vemos a orelha de Leonardo, então alguém fala algo ou produz algum som e o foco muda. Sem cortes, de repente percebemos, assim como o personagem, o que está acontecendo nos contextos. É uma forma bem sutil de representar o ponto de vista subjetivo de Leonardo.
Para todos os conflitos, é usada uma sutileza admirável. O filme começa com Leonardo e Giovana discutindo o primeiro beijo. O espectador vê, e o Leonardo não, que ela está o observando com um tanto mais de tentação do que uma amiga o faria. Ele esnoba a necessidade de passar pelo beijo. Pouco mais tarde, quando está sozinho, pratica o ato sozinho. Não precisa explicar palavra por palavra. Ele quer descobrir sua sexualidade, por mais que não a sinta como as pessoas que enxergam. Não há atração por conta de beleza visual ou física. É através de sons, toques e cheiros que o adolescente começa a se interessar por outras pessoas.
Leonardo possui uma vida à qual já está acostumado, mas também quer descobrir novos horizontes. Existe então um choque com as coisas novas e o que já é comum. Tudo o que representa sua vida comum possui cores frias entre o azul e o cinza, cores que Giovana normalmente usa. O que representa a quebra com o padrão é mais quente com o vermelho e o amarelo, cores do Gabriel. Todas as cores com uma saturação baixa, dando uma sensação de que há um tipo de filtro por cima das imagens. A escolha de Ribeiro aqui é interessante. A identidade da pessoa não se encontra na rebelião total ou na vida conformada com o padrão, mas no equilíbrio das duas. Não é a toa que, aos poucos, Leonardo consegue fazer com que Gabriel faça mais parte da sua vida e, por isso, Gabriel vai assumindo os tons mais frios. Existe uma imersão das novas descobertas na vida a qual Leonardo já está acostumado.

20669640.jpg-rx_640_256-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxLeonardo e Gabriel. Linha azul impede que os tons vermelhos dos dois se encontrem.

Gabriel, portanto, assume uma função importante na vida de Leonardo. Quando o amigo cego fala que não pode ir assistir a um eclipse lunar com ele por conta das regras da mãe, Gabriel apenas diz que ele pode fugir de casa durante a madrugada. Não é a rebelião total que ele está buscando desde o começo do filme, mas já é o bastante para lhe dar um pouco da sensação de autonomia e liberdade de que precisa. Ao mesmo tempo, Giovana sente medo dessas descobertas pois podem representar a perda do amigo. Mas ela não percebe que também o trata com algum nível de superproteção e ajuda a prendê-lo.

Hoje-Eu-Quero-Voltar-Sozinho-2Gabriel, Giovana e Leonardo. Amizades que refletem diferenças de vida.

Ribeiro é um diretor de cinema de verdade. Usa dos enquadramentos, das ações e do roteiro para contar sua história. Nada de superexposição. Para mostrar que o pai de Leonardo está dividido entre apoiar o filho e a esposa, cria planos nos quais se vê o adolescente por cima de um de seus ombros, e a mãe do outro. Dando a dica de que o pai terá função importante nas descobertas dele até o final do filme.

Pouco a pouco, as relações e os conflitos se desenvolvem em cenas muito bonitas e tocantes. Destaque para a cena do chuveiro próxima ao término do segundo ato e ao último ataque do garoto que faz bullying contra Leonardo. Nada exagerado, sendo que os sentimentos e as reações são representados por detalhes nos olhares e nos gestos.

É onde o trio de atores principais se torna tão importante. Basta olhar para o Guilherme Lobo em qualquer cena para sabermos o que Leonardo, seu papel, está sentindo. Fabio Audi é um mistério, o que é ideal para as dúvidas sobre o que seu Gabriel quer. O ator não é um mistério por ser ruim, principalmente quando é tão seguro para representar a honestidade do personagem. Ele é um mistério porque a narrativa exige isso. Tess Coelho fecha o triângulo dando para Giovana o ar maternal e tímido que ela requer. Os três são muito bons e fazem um bom trabalho em dar naturalidade aos diálogos.

O final é redondo e fecha todas as pontas. Porém, parece que foi tudo um pouco fácil demais. Passa rápido e as soluções encontradas nunca parecem ter tido qualquer envolvimento com ações de Leonardo. Fica a impressão de que tudo deu certo para o personagem sem que ele precisasse se esforçar muito.

Tirando esse problema do terceiro ato, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um raro exemplo de filme sobre o universo adolescente sem exageros e estripulias malucas. Ainda assim, é tocante, sensível e envolvente. Vale ainda mais quando colocado em comparação com porcarias como Confissões de Adolescente. Tomara que Ribeiro consiga crescer ainda mais como diretor e ganhe espaço no mercado nacional.

ALLONS-YYYYYYYY…

1 comentário em “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

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