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Hellraiser – Renascido do Inferno

hellraiser

Quando era criança, visitei uma prima que assistia um filme com o indivíduo da imagem acima. Assim que vi a criatura levei um susto, mas o que veio em seguida é o que o marcou em minhas memórias. O filme cortou para um homem cheio de coisas presas em seu corpo. Coisas que o desfizeram em pedaços. Onde antes estava um personagem ficou apenas um monte de entranhas e sangue. Saí do cômodo e me decidi a nunca mais assistir a nada da franquia Hellraiser.

Agora, aproximadamente vinte anos depois, sentei para conferir o primeiro capítulo da série junto à namorada e um amigo.

Nem sabia que se tratava de uma obra do Clive Barker. Um dos poucos filmes que o autor se atreveu a dirigir. A trama acompanha um casal que se muda para uma nova casa. A filha crescida dele, a mulher é a nova madrasta, já mora fora e tem uma vida construída. Explorando a nova residência, a esposa, Julia, descobre nada menos que uma carcaça viva que se diz ser seu cunhado e amante. Para que ele volte à sua forma humana, precisará que ela mate e traga pessoas que alimentarão a reconstituição.

Julia. Reconstruindo o amante.
Julia. Reconstruindo o amante.

É só a ponta do iceberg. Principalmente porque Barker não se importa em fazer um filme com estrutura clássica. A protagonista só vai sofrer seu incidente incitante lá perto de uma hora de filme. Antes disso, a história é de outro personagem. São literalmente dois filmes em um que fecham uma única história.

Normalmente é algo muito ruim. Mas a forma com a qual Barker costura tudo é fluída. A mocinha não participar do enredo principal por grande parte do filme, mas o filme não perde nunca o ritmo. Porque a história é mais sobre o vilão, mesmo que ele nunca chegue perto de ser o protagonista.

Barker fez algo que admiro muito no gênero de terror. Criou algo original. A proposta é criar horror através do exagero extremo do sadomasoquismo. O seres chamados cenobitas usam couro preto colado em seus corpos, com detalhes de pequenos cortes e cicatrizações de torturas controladas.

O resultado são criaturas que impressionam visualmente, como o camarada da imagem que abre este post. Eles são criaturas que surgem sempre que um cubo misterioso é aberto por um incauto. Confundido por anjos por alguns e demônios por outros, os cenobitas surgem de uma dimensão de torturas e levam os humanos que abrem a caixa para lá. Suas vítimas passarão por um longo processo desfigurante em que sentirão um misto de dores e prazeres extremos.

A obra dos cenobitas.
A obra dos cenobitas.

O cunhado se chama Frank e era um homem envolvido profundamente com o ocultismo. Depois de anos se preparando, julgou estar preparado física e mentalmente para o processo dos cenobitas. Mas estava errado. Ainda assim, conseguiu enganá-los e sobreviveu como um monte de restos pútridos.

A primeira parte do filme acompanha Frank transformando a mulher de seu irmão em uma assassina em série. Mesmo sem pele e músculos, Frank consegue seduzi-la a trazer homens incautos.

Lembrando que é um filme de 1987. Sem computação gráfica, os efeitos que criam a figura de Frank impressionam ainda hoje. Cria um asco natural e imagino que muitas pessoas não consigam segurar o enjoo ao vê-lo.

Agora vem a surpresa. Lá pela uma hora de duração, a afilhada de Julia, Kirsty, vira a mocinha. Detalhar o como e o porquê é arruinar o filme. Mas dizer que ela é a protagonista não, porque é evidente desde o começo. Ela é a única personagem que usa cores claras, tem jeito de garota boazinha e é a única pessoa bonita do elenco.

Kirsty de repente vira a mocinha perseguida.
Kirsty de repente vira a mocinha perseguida.

Kirsty é mais um trunfo do filme. Não pela atriz e sua interpretação, mas pela caracterização criada por Barker. Ao contrário de outras mocinhas da época, Kirsty não é virgem, não é boba e não fica correndo e gritando por aí. O horror do período construía um estereótipo tentando vender a ideia de que mulheres deviam ser castas, inocentes e burras. Barker ganha pontos como realizador ao criar uma mulher forte, independente e a frente do seu tempo.

Porém, enquanto acerta como idealizador, Barker erra como diretor. A fotografia de Hellraiser tem influências tão fortes de videotape que o filme parece, em diversos momentos, o videoclipe Total Eclipse of the Heart. Algumas escolhas da direção de arte não ajudam. Porque a fotografia usa luzes duras e fortes nos atores. Às vezes uma camisa branca brilha tanto que começa a ofuscar o resto do enquadramento.

O filme ainda fica datado com os milhões de mullets e camisas exageradamente coloridas que caracterizam a década da produção. Sem contar com o péssimo elenco e a terrível direção de atores. É tudo falso e surreal. O que faz o filme ter um humor involuntário. E é divertidíssimo por conta disso. É impossível não se acabar de rir da ambientação. Com exceção dos momentos de terror, que realmente são tensos.

É o que muitos terrores clássicos se tornaram. Comédia involuntária com momentos de horror legais. Desafio qualquer um a assistir e não rir do jogo de bate pavão que Kirsty faz contra um monstro no final. Não rir do quanto o ator que interpreta seu namorado é ruim na parte do clímax. Acima de tudo, desafio a não ficar repetindo por dias a palavra Julia com voz grossa e arrastada.

 

JULIAAAAAAAAAAAA…

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