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Guardiões da Galáxia

O que começou como uma má ideia transformou-se rapidamente em um dos grandes hypes dentre os arrasa-quarteirões do ano. Um grupo chamado Guardiões da Galáxia no universo Marvel dos cinemas soa brega como músicas da década de 1950, mas o estúdio e os realizadores souberam explorar as características certas. O resultado é um filme que remete muito às interações de personagens dos primeiros Star Wars.

Peter Quill é um humano sequestrado da Terra que se tornou mercenário cósmico. Por conta do roubo de um objeto ele recebe uma recompensa por sua captura, além da atenção de dois dos seres mais poderosos e impiedosos da galáxia. Esse interesse de terceiros o reúne com a dupla Rocket e Groot, mercenários que pretendem ficar ricos com a captura dele, a assassina Gamora, que quer o objeto roubado por Quill, e Drax, que quer se vingar daqueles que querem o objeto. Em pouco tempo, o grupo descobre que o objeto que tem é chave para a destruição de toda a vida conhecida.

Dentro do universo que a Marvel está construindo para os cinemas, os Guardiões da Galáxia servem de ponte para que os Vingadores encontrem com o Thanos, suposto vilão de Os Vingadores 3. Para se adequar ao universo do qual faz parte, o filme tem que ter aquela carga absurda de diversão extrapolada dos Vingadores além de ser uma boa obra de origem para os personagens do título.

Para fazê-lo, a Marvel chamou o roteirista e diretor James Gunn para cuidar do filme. Famoso pelas séries curtas que fazia para a internet com o irmão Sean (que está no filme em uma ponta), James garante a comédia, mas só o humor não era o suficiente. Para sua sorte os personagens são tão bons que fica fácil desenvolvê-los. São cinco espécies diferentes advindas de culturas diferentes mas que tem duas coisas em comum. Todos sofreram perdas traumatizantes em suas vidas e também, justamente por conta desses traumas, se tornaram pessoas de morais duvidosas. Eles não são heróis e nem querem ser, mas também não podem evitar serem bons quando descobrem a responsabilidade diante de si. Gunn aproveita isso para dar destaque aos dramas pessoais de cada um sem perder a chance de criar comédia com as constantes brigas na interação entre eles.

É um equilíbrio difícil. Eles precisam brigar o tempo inteiro, mas não o bastante para não se odiarem nem perderem o respeito um pelo outro. A comédia dos choques culturais não pode estragar a construção dos personagens, e essa construção não pode ficar séria demais a ponto de arruinar o ritmo do filme. E Gunn resolve essas questões muito bem. O resultado é um grupo de personagens que, apesar de serem um tanto malvados, são adoráveis e carismáticos. Nunca chegam a ser completamente babacas como o Homem de Ferro nem escoteiros como o Capitão América. Apesar de serem pessoas de bem, sentem prazer em pequenas coisas maldosas. Rocket se diverte com armas, Drax com violência, Gamora com seus assassinatos e Peter com seus comentários sarcásticos enquanto engana os outros. Groot é um gigante gentil e ingênuo que adora o grupo justamente porque vê neles a bondade que eles mesmos não são capazes de ver em si.

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Rocket. Pequenos e sádicos prazeres.

É um acerto mais do roteiro que da direção. Se o texto dá o tom de diversão adequado para os personagens, o trabalho de Gunn como diretor de cenas é muito falho. Dá para ver que muitas cenas ficaram picotadas para retirar coisas que seriam excessivas graças a cortes que ocorrem no meio de mudanças de foco ou de diálogos que abrem espaços para novas respostas. Como a montagem é muito boa, o ritmo é mantido e o filme não se perde. Gunn acertou na direção de arte. Tudo parece alienígena, sem parecer inacessível para um humano. O contraste de cores revela um universo tão vibrante quanto nos melhores filmes de Star Wars com uma camada de sujeira que cria características mais realistas. É fantástico, mas sem perder a credibilidade.

O outro acerto foram as boas cenas de ação. Mesmo com o número enorme de cenas com efeitos especiais, a computação nunca arruína a tensão e o medo pela vida dos personagens. Sem contar com o fato de que Gunn planeja cuidadosamente os planos e os cortes e nunca perde o foco de nenhum personagem por muito tempo nem deixa o espectador sem entender o que está acontecendo em cena.
Gunn planejou a direção de fotografia para encher a tela com vida diante das cores dos mundos extraterrenos. Vez ou outra, imagens de beleza intensa vão encher os olhos do espectador com brilhos e cores cuidadosamente montados para explorar ao máximo a filmagem em IMAX. Se o espectador tiver a oportunidade, assista na maior tela possível. Mas não assista em 3D. Apesar de boas escolhas de direção com a tecnologia, a conversão tem problemas sérios e muitas vezes elementos vão aparecer duplicados nos óculos.

Outro grande destaque vai para a trilha sonora. Concebida através de músicas dos anos 80, ela tem importância para a narrativa e, vez ou outra, comenta o filme com as letras otimistas da época. Uma pequena fita cassete é o último link de Peter não apenas com a humanidade, mas com sua mãe.

Acima de tudo isso, o grande acerto do diretor foi a seleção dos atores. Não fosse a escolha de um elenco tão afinado entre si, os personagens não funcionariam. A Zoe Saldana consegue dar humanidade para a assassina com remorso por seus erros passados. O Dave Bautista parece fora de lugar aqui e ali, mas dá credibilidade para todas as falas de Drax, sejam as dramáticas ou as cômicas. O Bradley Cooper tende a roubar as cenas emprestando sua voz para Rocket. Ele cria um leve sotaque do Bronx para o guaxinim e zomba de cada cena que corre o risco de cair na pieguice. Vin Diesel tem apenas uma fala repetida com seu Groot, mas cada pequena entonação demonstra um pouco dos sentimentos e intenções da árvore gigante. E ele impressiona ainda mais quando se leva em conta que ele dublou Groot em todas as línguas para as quais o filme foi traduzido. Ou seja, quem assistir a Guardiões dublado, ainda vai contar com a performance do ator original. Mas o astro mesmo é o Chris Pratt, que é carismático e simplesmente é o Peter Quill tal qual ele é nos quadrinhos. O ator está, inclusive, duplamente de parabéns pela forma física. Não apenas por mantê-la como pela transformação desde seus papéis de gordo anteriores.

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Disciplina dá nisso aí. Ele pesava quase 120 kg antes do filme.

O elenco de apoio é muito bom. Tem o Benicio del Toro tresloucado com uma maquiagem bizarra. A Glenn Close não faz nada como uma líder de uma população. O John C. Reilly aparece como ponta cômica, mas se revela uma ponta importante com um final dramático muito bonito. É uma pena ver o Djimon Hounson em um papel tão apagado como um capanga brucutu. O Michael Rooker ganha mais destaque do que o normal do ator e é merecido, seu personagem se passa por psicopata, mas esconde um lado carinhoso por baixo da carcaça de grosseria. O destaque vai para a Karen Gillan. A espetacular ruiva se despe de suas madeixas e, careca e pintada de azul, compõe uma alienígena com pequenas posturas e olhares que denotam seu ódio e dor constantes.

Guardiões é uma divertidíssima aventura espacial que sofre nas mãos de um diretor inexperiente, mas cujos tom, equilíbrio e bom senso garantem uma sessão de qualidade. Não é surpresa se o público ficar interessado em procurar as histórias originais da trupe para conhecer melhor cada um deles.

 

P.S.: Existe uma cena após os créditos, mas ela não foi exibida nas cabines por pedido da Marvel, para não ter riscos de vazar. Mas fomos avisados de que ela estará lá após o lançamento.

5 comentários em “Guardiões da Galáxia

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