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Fora do Cinema – Hannibal (1ª temporada)

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Boas séries são raridades. Com a popularidade da linguagem e a facilidade do digital, elas possuem equipamentos que elevam a qualidade técnica à de cinema. Infelizmente, a estrutura periódica e o excesso de espaço a ser preenchido em pouco tempo faz com que até as melhores ideias se percam e virem produtos no máximo medianos. Recentemente, uma nova forma de filmar seriados surgiu. Com ela, shows realmente bons apareceram, como a série inspirada no personagem icônico, Hannibal Lecter.

O investigador do FBI, Will Graham (Hugh Dancy, ótimo), possui um aglomerado de transtornos psicológicos que o permitem sentir empatia por todos. Inclusive assassinos. Com estudos avançados de psiquiatria e criminalística, ele é capaz de recriar assassinatos ao analisar as pistas e usar da habilidade para compreender os passos dos matadores. Ele é recrutado por Jack Crawford (Lawrence Fishburne) para investigar uma série de assassinatos de garotas. Para garantir que Graham estará em condições mentais, a antiga psiquiatra dele, dra. Alana Bloom (Caroline Dhavernas) recomenda que ele passe a ser supervisionado pelo antigo mentor dela, o dr. Hannibal Lecter (Mads Mikkelsen). Ninguém sabe, porém, que Hannibal é um psicopata extremamente inteligente que cometeu os crimes do chamado estripador de Chesapeake.

A série foi concebida pelo roteirista e produtor Bryan Fuller, que se inspirou no livro Dragão Vermelho, de Thomas Harris, para criar o início da amizade entre Graham, protagonista do livro, e Hannibal. O primeiro caso investigado é mencionado no livro, assim como alguns personagens. A jornalista Freddie Lounds (Lara Jean Chorostecki, uns dez passos de regressão ao se considerar que o Phillip Seymour Hoffman interpretou o personagem no filme) muda de sexo, mas se mantém como uma repórter inescrupulosa. A ideia é interessante. Principalmente ao se levar em conta que Fuller tinha como objetivo fazer com que uma temporada fosse o livro Dragão Vermelho.

Fuller é o grande nome a ser lembrado em relação ao sucesso de qualidade de Hannibal. Ele cria roteiros primorosos ao redor de crimes que não necessariamente se resumem ao caso da semana. O primeiro episódio é sobre Garret Jacob Hobbs, mas as consequências dele conduzirão até o final da temporada. Tudo o que acontece em cada capítulo é um passo importante no jogo que Hannibal conduz sutilmente enquanto Will e Jack tentam descobrir os culpados por trás de cada caso. Fuller respeita os valores e complexidades de cada personalidade retratada. Seja Hannibal, que é um psicopata tal qual eles podem ser no mundo real, ou Will, que sofre horrores com cada caso porque o nível de empatia lhe provoca visões perturbadoras sobre ser o assassino e a vítima ao mesmo tempo.

hannibal-releves-pic-2Will com filha de um assassino. Empatia que perturba.

O outro grande gênio da brincadeira é o diretor David Slade. Por trás das câmeras dos excelentes Menina Má.com e 30 Dias de Noite, a carreira de Slade pausou após fazer o terceiro capítulo da Saga Crepúsculo (não à toa, o melhor da franquia). Ele se reencontrou na TV ao dar seu estilo visual único para o piloto de Hannibal. A forma de Slade de filmar foi assumida pelos diretores que o seguiram e garantiram escolhas inteligentes, como fotografia escura, cenas tensas e pequenos takes de ambientação feitos para que o mundo pareça uma deturpação. Isso se dá em detalhes de objetos que remetem à fragilidade do corpo humano.

Esta deturpação é a palavra de ordem no departamento técnico por trás de Hannibal. O supervisor musical Brian Reitzell usa instrumentos de maneiras inusitadas junto com o próprio David Slade, que faz a mixagem de som, para fazer trilhas incômodas. Para representar o funcionamento do cérebro de Will Graham, eles usaram um pêndulo de Newton e extrapolaram os níveis do som. Para dar som para o Wendigo, uma representação mental de Graham para o mal interno dele e externo de Hannibal, eles usaram um bullroarer, um instrumento ritualístico antigo usado para comunicações em longas distâncias. Eles aumentam alguns níveis e diminuem outros e criam mais um som bizarro que causa um desgaste para os ouvidos de quem assiste.

Hannibal-Season-1-Episode-8-6-6175Will analisa vítima transformada em violoncelo. Trilha sonora reflete a deturpação.

Hugh Dancy faz com que os problemas de Will Graham sejam perceptíveis através de pequenos olhares. Quando precisa ligar a empatia no máximo, o olhar demonstra um desprezo pelas sensações que ele sabe que virão em breve. Mads Mikkelsen faz do psiquiatra assassino um homem que precisa se conter constantemente para que ninguém perceba que ele se diverte com as ironias cruéis que ele constrói. Seja dar parte de vítimas para que os investigadores comam ou como se diz triste por um homem cuja amiga foi morta por ele.

Lawrence Fishburne está bem como Crawford, mas não cria nada novo em relação ao resto da carreira prévia. Caroline Dhavernas, antiga colaboradora de Fuller da série Wonderfalls, faz com que Alana seja uma psiquiatra com dificuldades de se manter afastada dos casos que analisa com muita eficiência.

O nível de detalhes para criar o mundo distorcido de Hannibal apenas revela como a série é rica na construção. Algo que falta no mundo dos seriados. Figura entre diversas listas dos melhores shows de TV por bons motivos. Infelizmente foi cancelada após a terceira temporada. Mais triste ainda ao se levar em conta que a quarta temporada estava planejada para ser a última. Mas Fuller ainda pretende finalizar o show que idealizou e procura por financiamento de algum canal.

 

ALLONS-YYYYYYYYY…

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