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Ex_Machina: Instinto Artificial (Ex Machina – 2015)

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Dos males da arte em uma cultura capitalista, um dos que mais me incomodam é a falta de acessibilidade. Cultura pode vir barato ou caro, e infelizmente o cinema faz parte do segundo grupo. Já não é demais que uma ida a uma sala para assistir a um filme envolva transporte, alimentação e tempo, ainda somos obrigados a receber pouquíssimos lançamentos. Nessa brincadeira, este Ex_Machina: Instinto Artificial foi apenas um exemplo de produções que são liberadas diretamente para o mercado de home vídeo.

Ainda mais com uma premissa de ficção-científica tão curiosa, apesar de clichê. Caleb (Domhnall Gleeson) é um funcionário de empresa de tecnologia que ganha um concurso interno e tem a oportunidade de passar uma semana na mansão secreta e afastada de Nathan (Oscar Isaac), fundador da companhia. Assim que chega, descobre que o concurso era para encontrar aleatoriamente uma pessoa para ser a contrapartida de um teste de Turing, feito para determinar a veracidade de uma inteligência artificial. Caleb terá sessões diárias com Ava (Alicia Vikander), um robô com aparência feminina que é mantido em uma área específica da residência.

Curioso é um adjetivo reducionista. Muitos tipos de filmes podem ser construídos em cima desta premissa. Poderia ser uma análise das condições humanas por meio dos diálogos. Um romance entre um homem e uma máquina. Um suspense sobre como uma inteligência artificial lidaria com seres humanos. De forma interessante, Ex_Machina segue os clichês sem ser desprovido de originalidade.

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Ava e Caleb em ambiente estéril e claustrofóbico.

Em grande parte porque o roteiro do também diretor Alex Garland é focado nos diálogos. Não apenas no que é dito, mas no que é omitido. As coisas começam a ficar estranhas aos poucos para Caleb. Conversa sobre a criação de Ava com Nathan, mas nunca acerta exatamente sobre o que o chefe quer que ele aborde. A energia elétrica da mansão começa a cair em momentos diferentes. E imagens ao vivo do quarto da robô aparecem aleatoriamente na TV de onde ele dorme.

A esquisitice toma conta da ambientação, assim como da trama. A grande maioria dos cômodos não possuem janelas e as paredes são lisas, sem sujeira ou decoração. Os móveis, assim como os cenários têm tonalidades que variam do cinza para o branco. Este visual com muita tecnologia, estéril e sem saída, criado pela dupla de direção de arte Katrina Mackay e Denis Schnegg passa uma sensação quase de um local alienígena. A fotografia de Rob Hardy usa de luzes opacas e brancas que vêm de cima e de baixo, o que acrescenta ao clima e condiz com a caracterização de um ambiente com luzes fosforescentes.

Tudo é focado em uma dicotomia. Quanto mais dentro do complexo e próximo de Ava, mais estranho, sem cor e até claustrofóbico o filme fica. Quanto mais próximo de Nathan e mais o chefe se permite abrir, os dois personagens tendem a sair do complexo, em área natural com muito verde.

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Conversa amigável e entre humanos. Cenário natural.

Até a trilha sonora brinca com este conceito. Os tons e notas utilizados remetem a sons de máquinas em funcionamento. O uso minimalista de instrumentos cria repetições de ruídos que aumentam e diminuem de volume. Como se um coração artificial batesse no ouvido de quem assiste. Os compositores Geoff Barrow e Ben Salisbury fazem com que esta batida dentro do ambiente liso não apenas cause estranheza, mas deixe o espectador nervoso e tenso.

A trinca principal do elenco está além de elogios. Na época em que foi feito, Domhnall Gleeson e Oscar Isaacs já eram atores com fama em ascensão. Alicia Vikander, porém, despontava no cinema de língua inglesa depois de chamar a atenção em O Amante da Rainha. Gleeson é o perfeito sujeito solitário e vulnerável, mesmo que inteligente. Isaacs é ótimo para fazer tipos. O alcoólatra que é mais inteligente que o resto do mundo varia do perturbador para um homem desesperado por companhia, mesmo que isso seja expresso pela raiva de Nathan. Vikander demonstra emoções calculadas, que aumentam a dúvida sobre os sentimentos de Ava.

O resultado final é um suspense de atmosfera pesada. Em que a tensão é sustentada por uma noção constante de algo não está certo. Infelizmente, o final tende a uma discussão sobre sexualidade que pode ser lida como misógina. A reviravolta pega de surpresa e deixa uma impressão de que algo errado existe no mundo além do filme. O que é ótimo.

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