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Eu, Tonya (I, Tonya – 2017)

Tonya com sorriso falso

Filmes sobre eventos reais apresentam, já na premissa, uma grande complicação: como lidar com a adaptação sem vender algo errado? Esta retratação dos eventos que levaram a um golpe na competição pelas Olimpíadas de Inverno de 1993 já começa com essa aceitação. Os créditos iniciais informam sem medo de que se trata de uma representação irônica com base em entrevistas das pessoas reais que fizeram parte.

É por isso que o espectador recebe interpretações dos atores principais das tais entrevistas, que foram gravadas em VHS nos anos 2000, logo na abertura. Com uma montagem que remete a documentários, que costuram trechos dessas falas para formar uma narrativa, a tal ironia dá as caras quando as histórias passam a ser emuladas em tela sem perder as incoerências de cada ponto de vista.

Com isso, o roteirista Steven Rogers e o diretor Craig Gillespie criam comédia com pequenas interações dos personagens com a câmera. Em certo momento, a Tonya Harding (Margot Robbie) da entrevista detalha a vida de violência junto com o ex-marido Jeff Gilloly (Sebastian Stan). A descrição se encaixa com comportamentos típicos de relacionamentos abusivos.

tonya com o marido adolescentes
Jeff e Tonya no começo do relacionamento. Amor doentio.

No fim da sequência, com o rosto ensanguentado e cheio de hematomas, ela olha inconformada para a câmera e explica que não sabia que relações podiam ser diferentes. Depois dessa série de imagens brutais, o corte leva para Jeff na entrevista com apenas uma fala: “Isso nunca aconteceu”.

É como se os realizadores admitissem que não podem ser donos da verdade sobre os eventos que retratam. E jogam isso na cara do espectador do começo ao fim do filme. O que, por um lado, é negativo, porque lembra o tempo inteiro que é apenas uma produção. Mas, ao mesmo tempo, o faz com sarcasmo.

Assim, a história de Tonya e os eventos daquelas olimpíadas se tornam divertidos e ágeis. Fica fácil compreender os personagens porque eles não têm muitos segredos. São escrachados pelos estilos grosseiros de americanos sulistas, ignorantes, estúpidos, egoístas e vivem em um ambiente de violência constante.

Com cerca de meia hora para o fim, porém, o estilo é abandonado para se focar no incidente. Imediatamente, a produção assume que a narrativa de Jeff é a verdadeira e a utiliza para que Tonya seja retratada como uma vítima. Se não do marido ou da mãe, da imprensa e da população estadunidense.

Allison Janney
Allison Janney está solta com as ironias para a mãe.

Nada contra filmes panfletários, mas tudo contra inconsistência narrativa. É muito problemático fazer com que uma história não se leve a sério e esteja carregada de sarcasmo para, no clímax, virar uma propaganda sobre a inocência de uma pessoa.

Além disso, o filme conta com cenas de patinação extraordinárias, em que Gillespie esconde cortes para fazer com que o espectador esteja no ringue junto com Tonya. A estética segue na parte de representação dos atores, que é feita com tom documental, com câmera tremida que os segue pelos cenários.

Em termos de narrativa, Eu, Tonya pode ser dúbio. Ele questiona a si mesmo e se recusa a contar uma história. Pode tanto retirar o espectador do filme quanto pode entreter. Infelizmente, no fim, se torna inconsistente. Mesmo com a excelente interpretação de Allison Janney como a mãe cruel de Tonya ou o surpreendente Sebastian Stan, que enche a estupidez de Jeff com nuances dos sentimentos que passam do desespero de um marido amoroso para a violência raivosa de um homem que pretende colocar amarras na mulher.

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