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A Espuma dos Dias

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Michel Gondry volta para a França para adaptar a famosa obra L’Ecume des Jours. Ninguém melhor para fazer esse filme que o diretor de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Gondry consegue adaptar com fidelidade o clima surrealista do livro do músico, compositor, engenheiro e escritor Boris Vian.

Colin é um homem rico e ocioso de Paris que, em busca de amor, acaba conhecendo Chloé. O que começa como um relacionamento repleto de alegria vira tragédia com a descoberta de uma doença bizarra da mulher. Ela tem uma Flor de Lótus crescendo no pulmão direito e passa a ter seus dias contados. Em paralelo, um casal amigo se vê em crise por conta do fascínio que compartilham por um filósofo.
Gondry é de longe um dos grandes diretores modernos. Seu estilo pessoal conta histórias sem computação gráfica. O que ele faz é usar peculiaridades de filmagens para criar efeitos. É possível ver isso em seus trabalhos anteriores e agora mais do que nunca. Em Brilho Eterno ele criava as incongruências do cérebro de Joel fazendo cortes precisos que transformavam atores e faziam objetos aparecerem e desaparecerem. Em Rebobine, Por Favor ele usava para criar os “filmes suecos” da desastrada dupla principal. Aqui ele usa o tempo inteiro.
O livro descreve situações e momentos absurdos de forma corriqueira. Para levar isso para o cinema, o diretor francês usou os mais variados recursos. Tem stop motion, tela dividida, cortes tranformadores, efeitos mecânicos elaboradíssimos e uma direção de arte inteligente. Tudo isso para construir a realidade de Colin.

Surrealismo. O casal principal viaja de nuvem por Paris.
Surrealismo. O casal principal viaja de nuvem por Paris.

Colin vive com seu amigo e empregado Nicolas em um apartamento irreverente que cruza dois prédios através de uma ponte aérea feita com um vagão de metrô. Os dois dividem o espaço com um rato de quem são amigos e costumam se alimentar de enguias que vivem no encanamento da casa. Quando sai, Colin tem que domar seus sapatos, que se comportam igual cachorros.
Após conhecer Chloé, Colin começa a vê-la em bolhas de sabão. Gondry coloca uma bolha de plástico com uma TV minúscula dentro colada em um vidro. Ao redor solta bolhas de sabão. É um truque velho que ajuda a criar esse surrealismo.
Eventualmente lembra bastante o cinema de Buñuel. Principalmente na parte em que o protagonista corta um excesso de pálpebras ao despertar. Essas brincadeiras de realidade são feitas com aliterações semânticas espertas. O que faz com que o filme seja ainda mais interessante para os conhecedores da língua e da cultura francesa.
O filósofo causador de problemas se chama Jean-Sol Partre, numa óbvia sátira a Jean-Paul Sartre. Boris Vian era um crítico ferrenho do existencialismo e não se incomoda em alfinetá-lo com a jornada do melhor amigo de Colin. Ao mesmo tempo, a derrocada de Colin é uma proposta de reflexão ao capitalismo. O sistema econômico que uma hora dá boa vida ao protagonista lhe toma tudo com o passar do tempo.
Gondry desenvolve isso com cenas extremamente rápidas, apesar de o ritmo do filme ser lento. Acaba deixando as situações muito confusas, principalmente as críticas e reflexões. Diversas analogias ficam mal explicadas e é difícil para o espectador compreender o filme como um todo.
Palmas para o domínio de Gondry sobre a narrativa. Com os planos incrivelmente complexos que realizou, liga-los de forma lógica deve ter sido um pesadelo. Ainda assim, a transição do colorido e feliz universo do princípio para o trágico e monocromático do final é feita com tanta sutileza que é difícil ter noção de quando as coisas se transformaram.
Os atores se divertem e ficam a vontade. Mas quando é preciso cair no melodrama seguram com muita habilidade. Principalmente o casal principal, os simpáticos Remain Duris (de A Datilógrafa) e Audrey Tautou (a eterna Amélie Poulain). Famoso pelo ótimo Intocáveis, Omar Sy rouba a cena como Nicolas.
Romais Duris, Audrey Tatou e Omar Sy felizes em cena.
Romain Duris, Audrey Tautou e Omar Sy felizes em cena.

O filme só peca pela sua extensão. Na meia hora final o surrealismo começa a cansar, fazendo com que o espectador não se importe mais com a criatividade com a qual é representado e a sua beleza. Diversas coisas poderiam ter ficado de fora para dar um ritmo mais gostoso e menos cansativo.
 
ALLONS-YYYYYYY (em certo ponto, Colin grita isso. Alegria para o fã de Doctor Who.)

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