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Diversidade arbitrária

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Recentemente, lendo o blog oficial dos irmão Burch, encontrei um texto sobre diversidade em narrativas. O autor, Anthony, é jornalista e roteirista. Estudioso do assunto, ele escreve textos interessantíssimos sobre como desenvolver estruturas narrativas em um mundo onde praticamente tudo já foi feito. O texto defendia diminuir um tanto a qualidade de histórias em prol de diversidade.

Por que essa discussão? Burch colocou no roteiro de Borderlands 2 personagens abertamente gays cujas orientações sexuais não são importante para a narrativa. Então vieram pessoas argumentando que, se não é importante para a narrativa, colocar pessoas que representam diversidades apenas atrapalha o desenvolvimento da história.

Burch ficou sem argumentos. É verdade, colocar personagens gays sem sequer apresentar os relacionamentos deles de forma construtiva distrai da narrativa. Mas Burch não deixou de defender suas escolhas. Fazer com que os personagens sejam gays, nas palavras dele, não melhora a narrativa mas melhora o mundo.

Então ele deu o exemplo da Nichelle Nichols, a eterna tenente Uhura da série Star Trek. Na década de 1960, ela pegou um papel que poderia ser interpretado por qualquer pessoa. Com falas bobas e sem destaque. Ela resolveu sair da série, até que foi contatada por Martin Luther King Jr. Ele disse para ela que assistia Star Trek toda semana com a família por se tratar de uma série inteligente e não ofensiva que ainda contava com uma mulher negra no elenco principal.

Tenente Uhura. Qualquer um poderia interpretar aquele papel.
Tenente Uhura. Qualquer um poderia interpretar aquele papel.

O fato de Nichelle Nichols ser negra não influenciava a narrativa de Star Trek. Como eu disse antes, o papel poderia ser feito por qualquer pessoa. Mas os produtores resolveram dar para uma mulher negra. A escolha de Nichelle foi importante. Abriu espaço para o primeiro beijo inter-racial da história da televisão e ainda é reconhecido como um evento essencial para a inserção social dos negros na cultura norte americana.

De acordo com os argumentos das pessoas que estavam contra a inserção de gays na trama de Borderlands 2, Nichelle ser negra é uma distração para a narrativa de Star Trek. Talvez fosse na época, mas ajudou a termos um mundo um pouco melhor.

Ao mesmo tempo em que concordo com Burch, divergência arbitrária dentro de narrativas fazem do mundo um lugar melhor, discordo com uma parte. Colocar inserção de minorias e divergências dentro do universo da narrativa não a piora. Distrai sim, não há como discordar disso. Mas essa distração não estraga o desenvolvimento da história contada.

Não sou fã de Borderlands, portanto não posso discorrer muito sobre como isso é feito no caso específico. Mas podemos analisar isso em filmes de maneiras diversas. Primeiro, pensemos em um filme bom com personagens gays cuja orientação não faz diferença para a história. A Vida Aquática com Steve Zissou é uma obra muito interessante e pessoal para seu realizador, Wes Anderson.

É um filme sobre paternidade, amizade, relacionamentos, legado e mais um monte de coisas. Um dos personagens coadjuvantes é gay. O concorrente do protagonista, interpretado pelo Jeff Goldblum, possui importância dentro da história e sua orientação não é realmente significativa para a trama. O filme continua sendo maravilhoso apesar do que o personagem é. A orientação dele sequer distrai, ainda acredito que enriqueça e direcione coisas dentro das escolhas na realização do filme. Como a direção de arte, com o figurino e os cenários evidentemente mais estilizados.

Personagem gay apenas enriquece o universo de Steve Zissou.
Personagem gay apenas enriquece o universo de Steve Zissou.

Agora vejamos um caso extremamente oposto. Uma Noite de Amor e Música é uma comédia romântica inexpressiva. Não fez sucesso e praticamente ninguém assistiu porque a história é bobinha e desinteressante. Porém, o filme chamou a atenção em outros aspectos. Primeiro, a realização possui uma estrutura muito bem feita, com todas as pontas bem amarradas. Depois, o desenvolvimento dos personagens é um dos mais respeitosos que eu já vi em comédias românticas.

Mas o que nunca me faz esquecer do filme são os personagens gays. Porque Uma Noite de Amor e Música conta a história de um baixista de uma banda gay. Ele é o único integrante do grupo que é hétero. Mas, eis a parte interessante, os outros membros não são afeminados, não usam roupas e tendências exageradas ou estereotipadas. Literalmente, eles serem gays não faz diferença alguma para a trama. Principalmente porque eles possuem aparência de heterossexuais.

Desafio. Indique quem são os homossexuais e os heterossexuais na foto?
Desafio. Indique quem são os personagens homossexuais e os heterossexuais na foto?

Uma Noite de Amor e Música fica na memória justamente por ser um filme que cria divergência de forma realista e sem preconceito. Porque como filme e história é mais que esquecível.

Agora eis o meu questionamento, um que Burch também fez em seu texto. Se a característica de ser gay não faz diferença e não deveria ser comentada, porque faz-se tanta questão de que todos sejam brancos, em maioria masculina e heterossexuais? Porque não distrai? Desculpa, mas ver um elenco inteiramente masculino, branco e hétero me distrai. Porque a realidade proposta ali não condiz com o mundo em que vivo.

No fim, acredito que diversidade arbitrária em narrativas é importante sim. Não só faz do mundo melhor, mas também faz a narrativa ser mais crível e rica.

Para quem ficou interessado no texto de Burch e sabe ler em inglês, clique aqui.

 

ALLONS-YYYYYYYYY…

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