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Dentro da Casa

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Quando vi o título de Dentro da Casa, imaginei ser um desses inventivos filmes de terror franceses, que costumam criar tensão e suspense com a ideia de alguém invadindo a casa de outra pessoa. A temática possui alguma semelhança, mas se distancia bastante. A tensão e o suspense ainda estão lá. Mas ao invés de vermos uma grávida trancada no banheiro com uma assassina solta pela casa, vemos um garoto bem recepcionado com intenções assustadoras.

Professor de literatura se encontra frustrado com o desempenho de seus alunos, que se focam mais em celulares e compras que nos estudos. Dentre as redações de uma turma, encontra um texto curioso. O garoto descreve seu interesse na casa e na família de um de seus colegas. Finaliza com “continua”, insinuando que o garoto pretende dar continuidade a sua jornada obstinada pela família do outro.
Começa o conflito do professor. Estimular o texto do que pode ser um futuro grande escritor, ao mesmo tempo em que estimula a dissimulação do comportamento do garoto. Ou entregá-lo, preocupado com a segurança do colega que é objeto de estudo e de sua família. O que a princípio parece ser um risco pequeno, vai tomando proporções cada vez maiores.
O texto deixa de ser sobre a rotina da família e passa a ser sobre o quanto o menino consegue manipulá-los. Envolto na proposta, o professor começa a aceitar e até a realizar atos questionáveis para levá-la a seu final.

O aluno observa como um predador a família de seu interesse.
O aluno observa como um predador a família de seu interesse.

Trata-se de um filme metalinguístico. Sempre que mestre e aluno discutem a condução da narrativa, discutem ao mesmo tempo a condução do próprio filme. É uma reflexão interessante sobre as culpas dos envolvidos em uma história.
Os personagens em histórias sempre sofrem em algum nível. De quem é a culpa? Do autor, do leitor, dos próprios personagens?
À medida que Germain, o professor, se envolve com a narrativa de Claude, o aluno, mais ele se torna cúmplice do que quer que seja que o garoto planeja. Ensina a Claude a construção de estrutura narrativa, como o conflito se interpõe ao interesse do protagonista. Mas não discute quem o protagonista realmente é. A princípio, parece ser o Claude. Com o decorrer da trama, passa para o pai da família, depois para a mãe e eventualmente para o filho.
Germain não tem noção de que a percepção que tem da obra é reflexo de sua própria vida. Enquanto o pai, Rapha (que deu o mesmo nome ao filho), tem fascínio com a China e é destroçado no trabalho por um chinês, Germain se deixa fascinar por Claude e seus textos ao mesmo tempo em que eles o destroem.
Claude e Germain discutem a condução da narrativa.
Claude e Germain discutem a condução da narrativa.

O pai e a mãe têm problemas de casamento, Germain e sua esposa começam a ter problemas parecidos. Claude, desde o começo, parece saber que está escrevendo mais sobre o próprio professor que sobre a família de seu amigo.
As analogias construídas a partir disso são muito bem elaboradas. Germain tem problemas para identificar a família de Rapha como pessoas reais. Para ele, são apenas personagens. Não toma conhecimento de que ele e a esposa estão cada vez mais presentes na história de Claude.
É o leitor envolto pela história, que se deixa participar dela e por ela ser manipulado. Quantas vezes ouvimos pessoas dizendo que tal história mudou sua vida ou sua percepção de realidade? De certa forma, o leitor se permite ser parte da história.
A discussão fica tão intrincada que se torna impossível passar aqui todas as metáforas e ideias sugeridas pelo filme. Precisaria de uma dissertação. Só assistindo o filme diversas vezes para poder analisar todas metodicamente.
O diretor François Ozon trata da condução da trama com cuidado. Preocupado com a narrativa e as analogias que surgem através da metalinguagem. Escolhe criar um tom quase de fábula. A fotografia é um pouco estourada, com tons dourados. Mas só quando a cena trata da leitura dos textos de Claude. No mundo real, o tom é frio. A realidade de Germain é fria. Ganha mais vida quando entra no suspense de investigar a casa de Rapha.
Metáfora através do visual. Parece que Germain também invadiu a casa.
Metáfora através do visual. Parece que Germain também invadiu a casa.

A princípio o filme é um pouco manipulador demais. Rapha é uma caricatura do medíocre pai de família de classe média. O filho é vesgo e a face da ignorância. Mas aos poucos se torna mais realista. O filho revela seu lado mais obscuro e o pai demonstra que pretende proteger a família.
Caso não tenha interesse na discussão sobre narrativa e construção de histórias, assista pelo ótimo suspense que cresce com o envolvimento de Claude com a família de Rapha.
 
GERÔNIMOOOOOOOOO…

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