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Corra! (Get Out – 2017)

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Depois de mais de uma década de um clichê sem graça de assombrações em casas de família, o cinema de horror tem se revelado algo digno da originalidade de bons realizadores, nos últimos três ou quatro anos. Produções como O Espelho, The Void, Corrente do Mal e A Bruxa têm se revelado boas surpresas que retomam estilos que andavam esquecidos. Chegou a vez deste Corra! tentar retomar um terror social.

A premissa em si não parece do gênero. Chris (Daniel Kaluuya) é o primeiro namorado negro que Rose (Allison Williams) apresenta para a família. E ele vai conhecê-los durante um fim de semana na cada deles. Apesar de o pai (Bradley Whitford) e a mãe (Catherine Keener) não serem racistas, não conseguem evitar pequenas observações e situações constrangedoras de quem não quer parecer preconceituoso. Mas o ambiente parece e se revela cada vez mais bizarro.

Muitas pessoas têm aproveitado o fato de Kaluuya ser protagonista de um dos episódios da série Black Mirror para comparar o filme com o show, mas o fato é que Corra! é um herdeiro do estilo que também serviu para o seriado: o do clássico Twilight Zone. Como nos melhores episódios, esta produção acompanha um personagem em uma situação estranha que reflete contextos sociais e medos primitivos.

sogros assustadores observam na noite
Sogros adoráveis, mas tem sempre algo de perturbador e errado.

Jordan Peele (sim, o comediante), diretor e roteirista da produção, é esperto ao trabalhar ambientação, que é o que o terror tem de mais importante. Como a trama básica exige um início tranquilo, com um local e uma família acolhedores, ele constrói em cima de um trauma do passado de Chris, que se sente incapaz diante da proximidade da morte.

Depois das apresentações calorosas aos membros da família de Rose, Peele mistura o bizarro com o cômico. É fácil rir e ficar nervoso ao mesmo tempo, quando o pai comenta que votou no Obama ou quando o irmão fala sobre como os negros tendem a ser mais fortes que os brancos. Até que, aos poucos, o riso se transforma em puro estranhamento.

Seja pelo fato de que a mãe o hipnotizou durante uma noite contra a vontade dele para curá-lo do vício em cigarros, ou porque todos os empregados da casa são negros. Sem contar que todos eles têm comportamentos bizarros, como conversar com pequenas tremidas e ter o olhar perdido enquanto falam de maneira educada e cordial.

mulher vesga diante da janela
Empregada observa pela janela com o olhar perdido.

Grande parte é feito por meio dos conceitos visuais. Quando Chris está hipnotizado, ele se perde no vazio da própria mente em enquadramentos simétricos que remetem muito aos de O Iluminado. Os tons mais neutros e sóbrios, como o marrom e o pastel em superfícies lisas indicam o que existe de bizarro enquanto as variações de cores mais vibrantes, como azul e vermelho, representam a normalidade e a segurança. A arquitetura da casa e a vestimenta da família tem os tons de pastel, enquanto Chris e Rose usam jaquetas jeans azuis e casacos de malha com listras rubras.

É possível ver que Kaluuya foi escolhido para o papel pela capacidade de interpretar bem uma pessoa que reage bem a situações bizarras. Os olhares dele quando coisas estranhas acontecem ao redor são hilários, sem contar que ele é muito simpático, o que é fundamental para fazer com que Chris seja identificável.

Corra! é mais um marco dos filmes de terror recentes. Também é perturbador por fazer com que o espectador se sinta desconfortável com o que deveria ser uma situação cotidiana, ao mesmo tempo em que levanta reflexões sociais relevantes. Melhor ainda, já é sucesso de público e crítica, o que abre espaço para Peele volte a dirigir e a escrever.

3 comentários em “Corra! (Get Out – 2017)

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