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Coringa (Joker – 2019)

A garganta fica seca, a respiração parece parar, todas as dores, sensações e preocupações somem. Sobra apenas uma coisa, o medo do desconhecido. É o que sempre fez com que a presença do vilão Coringa seja tão icônica. Com linha de raciocínio incompreensível, é impossível saber o que ele vai fazer no próximo segundo. É o que faz com que ele seja aterrorizante. E é também o que se sente neste filme focado em uma possível origem do inimigo clássico do Batman.

Aqui, antes da vida de crimes, ele era Arthur Fleck (Joaquin Phoenix). Um homem com sérios problemas de neuroses e psicoses. Recém liberado de um período de encarceramento, ele tenta sobreviver como palhaço enquanto prepara a primeira apresentação como comediante de stand-up. A cidade, Gotham, está em caos com altos índices de criminalidade e desemprego, e a população reage adequadamente. Ninguém se trata bem, ou suspeita de todos com quem cruza o caminho.

De forma bem simples, o diretor e co roteirista (junto com Scott Silver) do filme, Todd Phillips, busca uma abordagem séria, truculenta e violenta para fazer a conexão entre um ser humano comum, mesmo que com problemas mentais, e um dos grande supervilões dos quadrinhos.

No processo de transformação. A maquiagem reflete a libertação de quem Arthur realmente é.

Ele busca inspiração diretamente em dois dos filmes que marcaram uma mudança do cinema americano em estilo em linguagem, Taxi Driver O Rei da Comédial, ambos de Martin Scorsese. O que faz de Gotham uma cidade grande, suja e tomada pelo crime. O diretor clássico, inclusive, chegou a negociar participação como produtor do filme.

É possível ver muito da Nova Iorque de Scorsese nos modelos de taxis e de viaturas que circulam para cima e para baixo, nas linhas de prédios cinzas, nas pichações nas paredes e nas montanhas de lixo que parece escorrer das vielas para as avenidas. E esse apuro da direção de arte da Laura Ballinger e da produção de design de Mark Friedberg ganha respaldo particularmente na fotografia de Laurence Sher.

Ele deixa a imagem granulada, como se o filme tivesse sido filmado nos anos 1970 e 1980. Além disso, imprime um tom cinzento às imagens, que realçam as roupas e cenários frios e diminuam a saturação dos quentes. Não é à toa que o terno que o Coringa assume como o “palhaço do crime” é vinho, com baixa tonalidade de vermelho. Isso é fundamental para a narrativa, uma vez que Arthur se encontra sempre preso a alguma limitação social quando os verdes, cinzas e azuis tomam a tela, e livre quando os laranjas, amarelos e vinhos ganham destaque.

Trabalho de cores indica como Arthur se sente em cada cena.

Além disso, há o ótimo texto de cenas que sabe construir as tensões e aproveitar a transição de um momento calmo de Arthur para algum choque. Há sempre uma revelação com espaço para a reação do personagem. Phillips e Silver conhecem bem o personagem que constroem a cada momento, de forma que ele sempre parece natural, dado a história dele até então.

Uma dessas reviravoltas está no trailer, quando Arthur descobre que virou motivo de chacota em um programa de TV. As falas do apresentador Murray Franklin (Robert De Niro) desorientam em relação ao discurso até que ele faz uma piada cruel. Daí, Phillip dá um close no rosto de Phoenix para deixar que a extraordinária interpretação dele diga tudo o que é necessário dizer.

Phoenix, diga-se de passagem, é a grande potência do filme. Não há um frame de filme em que ele não demonstre estar transtornado por algum dos distúrbios do personagem. E na tragédia lenta dele, é possível ver como as intenções e emoções dele se transformam aos poucos.

Phoenix, maravilhoso em cena, se destaca em um mundo mal construído ao redor dele.

Tanta qualidade e eficiência na produção, infelizmente, encontram um freio por meio do próprio diretor e roteirista. Phillips não é exatamente um bom condutor narrativo quando se trata do comando da história. Na verdade, muitas cenas usam de cortes excessivos que perdem alguns pontos de tensão. É Sher quem salva em todas essas situações por fazer com que cada enquadramento seja belo. Em alguns, como o momento em que a TV está acima de Arthur, é difícil imaginar que seja Phillips quem dirigiu a cena.

Além disso, na estrutura do roteiro, Phillips e Silver fazem com que a história encontre uma reviravolta no meio da projeção que faz exatamente o contrário do que o filme se propõe a fazer desde o começo. Embarca na pantomima e na fantasia que tendem a afastar os quadrinhos do reconhecimento da elite artística. Se no começo Arthur é fraco e frágil, no fim, ele é praticamente um sobre humano. Ele chega a ser atropelado e a sofrer acidentes, sempre com o super poder de sair limpo ou, no máximo com um leve sangramento no nariz.

Na entoada quase alucinatória, os eventos paralelos que ocorrem nas ruas e a ação estúpida de dois policiais em um trem parecem forçados. Os absurdos quebram a realidade que tinha sido construída até então e fazem com que Coringa resvale mais uma vez em ser mais uma fantasia de super. Mesmo com a ótima construção deste personagem de linha de raciocínio imprevisível e, justamente por isso, aterrorizante.

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