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Cinema Nacional em Pauta – Para quem veio rir, e também para os que nem tanto

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Separadas por apenas uma semana, duas estreias grandes para o cinema nacional chegaram às salas brasileiras em setembro. Desculpe O Transtorno, que estrela Gregório Duvivier, atual garoto maravilha das redes sociais, e Clarisse Falcão, eternamente comprometida com o estilo “quase não tem personagem, sou eu mesma” de fazer filmes; e Tô Ryca, que conta com Samantha Schmütz, atriz cômica de presença constante na TV, e grande elenco de apoio.

Colocar sete dias entre as duas estreias não deixou claro se o objetivo era, garantir que quem aparecesse desavisado ao saguão do cinema para ver um deles, seria imediatamente avisado da existência do outro, ou se queriam era mesmo garantir a livre concorrência, dado que a maioria dos brasileiros não costumar conceber gastar tempo e dinheiro com mais do que um filme nacional por temporada.

A chegada de Desculpe O transtorno pegou carona na popularidade do trailer, que em quase nada denunciava o roteiro, mas se focava na presença de rostos e vozes conhecidas para ajudar a vender a ideia de que, apesar de qualquer falha que pudesse vir a acontecer, a mera presença do ex-casal na vida real, Gregório e Clarice, garantiria os suspiros femininos nas salas de cinema, e consequentemente, a venda dos ingressos.

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Casal da vida real e interpretado.

O roteiro de Adriana Falcão, que carrega no cinturão suas colaborações nos já clássicos O Auto Da Compadecida (2000) e A Mulher Invisível (2009), se destaca logo de cara, durante a primeira cena do longa, o que é algo que chama muita atenção por que trata-se de um flashback, onde nenhum dos atores centrais da trama sequer aparecem. Mas a discordância gritante com a atuação dos atores convidados em citada cena é tamanha, que a qualidade do roteiro, ainda em posição de questionamento e com muito a provar, acaba por se consolidar como o carro chefe da história, jogando para escanteio até mesmo a presença estrelada que se segue sem demora.

Duvivier e Falcão transparecem a latente química romântica em praticamente todas as cenas que dividem, mas a necessidade de segurar o ritmo apesar do resto do elenco os demove a lutadores e defende com certa apatia a credibilidade do filme. O núcleo de alívio cômico, por vezes tem sucesso em sua demanda por risadas quando Rafael Infante, em encarnação do melhor amigo que não tem praticamente nada em comum com o mesmo, se permite atropelar os colegas em cena e entrega comédia de qualidade respeitável. Sobre a personagem caricata de Dani Calabresa, talvez seja melhor apenas dizer que, ao final de sua primeira cena já estamos com a sensação incômoda de que ela tentou forçar a risada que já era expectativa, e fica por isso mesmo.

Finalmente, a direção ficou por conta de Tomás Portella, que apesar de ter seu nome reconhecido pelo trabalho feito em Qualquer Gato Vira-Lata (2011) e Operações Especiais (2014), parece ter encontrado na linguagem visual desse longa aquela que mais favorece seu manejo, e que deixa em suspense o que será de suas futuras empreitadas. Seguirão um norte aqui belamente estabelecido e representado, ou mudarão de rumo para explorar novas direções, como Portella demonstrou ao longo dos últimos anos.

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Tô Ryca: jogo do caricato com ares mais leves

Com a chegada de Tô Ryca aos cinemas, a mudança de trato com a comédia usual nacional foi gritante, e muito bem-vinda. Com potencial para se tornar mais um pastelão incômodo e distorcido da realidade social brasileira, o longo trouxe ares mais leves ao tão pesado jogo do caricaturesco.

A presença completa e incontestável de Samantha Schmütz em tela não deixou dúvidas desde seus diálogos iniciais. A pendente presença do exagero deixou a personagem central em cima da corda bamba durante toda a duração do longa, por vezes até tropeça e toca os pés no chão por alguns segundos, mas de forma geral consegue manter-se de pé e se equilibra com falas honestamente construídas para fazer rir, entregues por quem tem o ar da graça presente em tempo integral.

Com um elenco de apoio balanceado e milimetricamente construído para fazer exatamente isso, apoiá-la, a fórmula tão conhecida pelos brasileiros ficou mais fluida de alguma forma, as risadas foram distribuídas e vinham do fundo da garganta, onde o verdadeiro senso de humor tende a se manifestar. Destaque para Katiuscia Canoro, Marcos Majella e Fabiana Carla, que nadaram em oportunidades para se cobrir de exageros, caras, bocas e gritaria, e finamente o souberam balancear, o que deixa a personagem central brilhar mais forte.

Marcelo Adnet, obviamente trazido para emprestar sua expertise afinada aos reconhecidamente palhaços, no melhor sentido da palavra, decepcionou. Alinhado ao personagem cruamente escrito para ser desenvolvido de forma livre, Adnet mostrou pouca vontade de fazer o que sabiamente, todos esperam que faça melhor do que ninguém, e o resultado é um pseudo-vilão pálido e livre de carisma.

O roteiro assinado por Fil Braz, colaborador assíduo de Paulo Gustavo em Vai Que Cola (2013) e Minha Mãe É Uma Peça (2012), entregou a fórmula perfeitamente dosada que parece não cessar em funcionar muito bem para o estilo de comédia brasileira, que sempre agrada. A direção de Pedro Antônio fica em aberto, pois parece ainda não ter mostrado a que veio. Ainda assim, o potencial deve ser devidamente descrito aqui como nada mais, nada menos do que presente.

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