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Até o Último Homem (Hacksaw Ridge – 2016)

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“Por favor, senhor. Ajude-me a salvar apenas mais um”, reza Desmond Doss (Andrew Garfield), após garantir que mais um soldado ferido consiga acesso a tratamento médico. A oração já chega com tom icônico quando o personagem a entoa a partir de certo ponto de Até o Último Homem, mas também causa incômodo.

Doss era um jovem que se alistou no exército dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial para servir como médico no regimento, mas tinha uma exigência durante o treinamento na base, não tocar em armas nem ter que matar nenhum homem. A história é real e ganha os cinemas devido às proezas do soldado.

A intenção aqui, no entanto, não é apenas narrar os atos de Doss, mas transferir uma mensagem. Existe uma dualidade conflitante nas ações do soldado: ele quer defender os ideais americanos, mas não quer matar nenhuma pessoa. Para ele, não é sobre matar os inimigos, mas defender deles.

Para retratar isso, os roteiristas Robert Schenkkan e Andrew Knight começam a trama muito antes da batalha na cordilheira Hacksaw, em Okinawa, uma das áreas com as batalhas mais violentas daquela guerra. O foco deles é demonstrar o que levou um homem a seguir tão rigidamente um código de conduta que o faça ir à guerra sem jamais dar um tiro.

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Desmond Doss tenta salvar um homem no campo de batalha.

Até o Último Homem começa na infância de Doss e acompanha a complicada relação dele com os pais, o irmão e a esposa até a ida para o exército, onde ele passou por dificuldades por se recusar a seguir uma ordem. O que divide o filme em duas partes. A primeira metade é sobre os julgamentos no treinamento até conseguir o direito de ir para o campo de batalha. A segunda é na própria, o verdadeiro interesse da produção.

Surge um problema de ritmo óbvio na produção, mas ele é usado para construir essa natureza de Doss. Sem a primeira metade, a segunda não funcionaria. E o diretor, Mel Gibson, consegue fazer com que as duas partes tenham um clímax sem que se perca a sensação de continuidade. A verdadeira complicação não é a divisão, mas o tom dado à narrativa por parte dos realizadores.

Muito provavelmente por parte do escritor Knight e de Gibson, que trabalharam juntos em outros filmes de guerra antes. Porque é óbvio nos planos e nas cenas escolhidas qual é a intenção deles com a produção. Além de mostrar os valores de um homem que se mantém preso aos ideais apesar da ruína que eles podem causar, os criadores querem retratar os atos em experiências religiosas.

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Bullying no campo de treinamento. Ideais julgados por todos.

Em obras anteriores de Gibson é possível notar um padrão que se repete aqui: Melodrama, heroísmo de guerra e religião. Ele o fez em Coração Valente, em que retrata uma homofobia assutadora; e em A Paixão de Cristo, onde até faz um plano subjetivo do ponto de vista de Deus.

Melodrama por si só não é negativo, mas quando ele é retratado com tanta pieguice que parece gratuito e forçado. Neste sentido, Gibson fica em uma linha tênue. Ele é tão eficiente como diretor clássico que consegue passar os sentimentos que quer exacerbar, mas cai na breguice quando trata de religiosidade.

É bem simples, segue regras básicas de direção classicista. Plano e contraplano para diálogos fotografia, iluminação de cima para retratar a grandiosidade dos personagens, cenas de pessoas que se esforçam além dos limites pessoais por grandes causas. Em especial a cena em que o pai de Doss volta para o exército para ajuda-lo a não ser preso. Tem direito até a frases de feito como “Com o mundo tão focado em se dividir, não acho tão ruim que eu queria junta-lo um pouco”.

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Sam Worthington surpreende ao roubar as cenas em que participa.

Seria piegas se Gibson não fizesse construção lenta dos momentos com subida de intensidade emocional. Começa calmo e aumenta os riscos e os sentimentos até que seja preciso que Garfield e os outros ótimos atores precisem fazer interpretações extraordinárias nesses momentos tão limítrofes. Além de extraordinárias cenas de batalhas viscerais com direito a corpos destroçados e cabeças que se desfazem repentinamente com tiros inesperados.

Mas nenhuma grande habilidade técnica é suficiente para superar cenas constrangedoras, como pequenos diálogos que sugerem que o que Doss realizou nos campos de batalha é um milagre divino e o ápice, quando Gibson filma Garfield de forma a parecer que ele ascende aos céus.

O ator é tão bom e acredita tanto no texto que fala que sustenta a pieguice sem parecer exagerado, assim como os colegas de elenco Teresa Palmer e Hugo Weaving. Uma boa surpresa é o infame Sam Worthington, que rouba quase toda cena em que aparece como um capitão do exército. Em constraste, o Vince Vaughn aparece como um sargento dentro do estereótipo de gritos com cabos, mas não funciona.

A frase icônica impressiona porque é realmente enaltecedor ver o tipo de sacrifício que Doss se propôs a fazer para salvar pessoas. Gibson carrega bem o filme até o fim, mas o problema é que força a barra ao colocar os ideais religiosos em cenas em que parece querer vender a ideia de que o personagem que retrata é algum tipo de santo.

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