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As Vozes (The Voices – 2014)

Jerry conversa com o cachorro e o gato

Numa lista de temas relevantes a serem discutidos, certamente entram distúrbios psicológicos e como a sociedade lida com pessoas com esses problemas, se é que existe alguém sem variações. Mesmo nos casos mais assombrosos e com consequências monstruosas, ainda se trata de seres humanos.

Dica para escutar enquanto lê a crítica. [soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/316050704″ params=”color=0066cc&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false” width=”100%” height=”166″ iframe=”true” /]

E Jerry (Ryan Reynolds) é humano. Acompanhado pela doutora Warren (Jacki Weaver), uma terapeuta indicada pelo governo, ele tenta se adequar ao ambiente de trabalho em uma fábrica de uma cidade de interior. Na tentativa, ele começa a se interessar por Fiona (Gemma Arterton), de outro departamento. O que Jerry não conta para ninguém é que conversa diariamente com os animais de estimação dele, o cachorro Bosco e o gato sr. Whiskers (ambos dublados por Reynolds).

Não há, em nenhuma cena do filme, um momento de interpretação maldosa de Reynolds. Em grande parte porque Jerry é um homem bom, que quer deixar de ser solitário e passar a pertencer a algum lugar, mas que tem uma condição que o impede de ser aceito. Ao mesmo tempo, ele não consegue evitar fazer coisas monstruosas com outros.

É o grande mérito da produção, assumidamente de terror e comédia. Quando chegam os momentos de terror, existe uma tensão dupla, porque o espectador sente medo pelas vítimas de Jerry, ao mesmo tempo em que sente medo por ele. O que é feito por meio de diversos elementos da produção.

Reynolds dança com Gemma no escritório
Jerry e Fiona com tons de rosa. Alegria máxima no trabalho.

A começar pelo roteiro de Michael R. Perry, que constrói simpatia por Jerry ao fazer do protagonista um homem vulnerável e incompreendido. Quem não é capaz de se identificar com solidão e vontade de ser aceito? Soma-se a isso o fato de que o personagem tenta ser bom e legal com todos. Mesmo as coisas que faz, não é por maldade. O que acrescenta a sensação de injustiça ao que acontece com ele.

Na direção, Marjane Satrapi faz com que as cenas sejam longas e todas do ponto de vista de Jerry. Ao mesmo tempo em que o espectador tem noção de que as pessoas ao redor dele estão em perigo, a mente de esquizofrênico dele o faz ver as coisas como elas não são. No momento mais tenso, ele acredita que vai ajudar uma garota em sofrimento, mas ele a fere e não a ajuda de verdade.

Para criar essa realidade de Jerry, a fotografia e a direção de arte trabalham em conjunto para fazer com que o mundo seja limpo, com cores saturadas e brilhos dourados. Quando Jerry percebe algo como capaz de trazer felicidade para ele, as cores laranja e rosa dominam. É o caso da empresa onde ele trabalha, que tem o rosa na marca, porque ele sente que se adequou ao ambiente.

Anna Kendrick e Ryan Reynolds no bar
Reynolds com Kendrick em cena. As duas melhores interpretações do filme.

Por outro lado, o azul domina a compreensão de si de Jerry. A casa tem tons azuis e verdes e, quanto mais ele mergulha na própria solidão e isolamento, mais a cor toma conta do cenário, enquanto a iluminação fica mais escura.

Apesar disso tudo, o elemento que provavelmente é mais importante é o ator Ryan Reynolds. Camaleônico, ele vira Jerry ao transmitir a impressão de que é uma pilha de tristeza e de boa vontade. Além disso, ele interpreta as vozes do gato, do cachorro e de um fantoche de meia. Todas diferentes e com personalidades distintas, sem que deixe de ser perceptível que todas são, na verdade, parte da personalidade dele.

Também é preciso dar destaque para a participação rápida de Anna Kendrick, como um possível interesse amoroso de Jerry. Kendrick consegue mudar de sentimentos extremos em cena com naturalidade. Vai do olhar apaixonado para o medo de forma que faz o espectador sentir ainda mais medo por ela. Gemma Arterton também está bem no filme, mas fica ofuscada pelos dois colegas de elenco. E Jacki Weaver mantém o padrão de boas interpretações, como uma terapeuta que não tem noção real da condição do paciente.

A beleza de As Vozes se encontra na dualidade. O medo dos atos de Jerry são pelas vítimas e porque o espectador quer que ele fique bem (o que envolve ele ser capaz de se livrar da esquizofrenia e parar de machucar pessoas). Para alguém que já teve que lidar com pessoas com depressão e transtorno bipolar, mas não queriam tomar os remédios porque buscavam escapar da realidade, o filme é ainda mais impactante, como foi para o crítico. Uma pérola.

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