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A Senhora da Van (The Lady in the Van – 2015)

pintura amarela

A Senhora da Van faz parte de um estilo de cinema cômico inglês no qual o humor surge de ironias e sutilezas. Se o sub-gênero já é peculiarmente interessante, ganha um sabor especial com a presença da veterana Maggie Smith. Recém saída do sucesso da série Downtown Abby, a atriz prova constantemente por que é uma lenda na área.

Aqui, ela interpreta uma senhora que vive dentro de uma van na rua. Ela se apresenta como Mary Shepherd, mas as origens dela são desconhecidas. A via onde teima em estacionar o veículo constantemente é uma área residencial de artistas e apreciadores ricos da arte. O escritor Alan Bennet (Alex Jennings) se muda para uma das casas e imediatamente desenvolve uma amizade com a senhora. Quando ela fica sem opções de espaço para parar, ele lhe oferece a garagem da casa, que não usa por andar de bicicleta.

Tem tudo para ser uma comédia sobre duas pessoas que desenvolvem uma relação incomum que os levará a se descobrirem. O filme, porém, é sobre um homem que gosta de esmiuçar a vida através de produção intelectual e o mistério que estacionou diante da porta da casa dele.

coxinhas
Os vizinhos endinheirados lidam com a senhora indigente.

O roteiro do filme é adaptado pelo próprio Alan Bennet da peça de autoria dele sobre os eventos. A misteriosa indigente ficou com o automóvel parado diante da casa dele por 15 anos, período através do qual teve que conviver com todo tipo de falta de higiene e de bom senso que uma senhora que claramente perdeu parte da saúde mental. Ele leva para a versão de cinema uma das grandes genialidades da peça. Como personagem, Bennet existe como duas figuras, autor e protagonista. E ambos dialogam entre si e se intrometem nas ações um do outro. Por vezes, o Bennet/protagonista fica embasbacado com algo que Mary faz e o Bennet/autor diz para ele agir. Por vezes, Mary diz algo e o Bennet/protagonista aponta para o Bennet/autor que aquela fala foi desnecessária ou até mesmo que aquilo não tinha acontecido na vida real.

O recurso serve para duas funções: Alan é observador da senhora na garagem e pode dialogar consigo mesmo sobre o que a vê fazer ao mesmo tempo em que os comentários irônicos sobre a própria existência ditam as transformações pelas quais ele passa. O recurso fica cada vez mais a mostra à medida em que o filme passa. Tanto que a cena final, portadora de um brilhantismo narrativo, confunde a realidade com o filme.

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Alan e Mary. Amizade incômoda e curiosa.

Se o roteiro é rico e inteligente tanto nos diálogos metalinguísticos quanto na representação do inconsciente de Alan, a direção não é nada mais que correta. O que não é negativo em uma obra em que o resto é tão bom. Porque os atores sustentam o ritmo com interpretações minuciosas das diversas características dos personagens. Em especial Alex Jennings, que cria o tédio de um homem que escreve sobre a vida mas não a vive, e a Maggie Smith, que vai da senhora descarada para momentos de fragilidades tocantes com facilidade.

Parece uma boa peça de teatro que foi filmada e passada em um cinema. Quase é, mas o bom uso de técnicas permite o afastamento eventual entre as linguagens. Se o filme sofre com algum problema, é o da duração. A história se passa durante 15 anos, e as longas transições de tempo do roteiro, não da montagem, fazem sentir como se muita coisa pudesse ser retirada da trama. Ainda é uma análise fascinante de uma pessoa que passou desapercebida na história da humanidade.

 

GERÔNIMOOOOOOOO…

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