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A Melhor Escolha (Last Flag Flying – 2018)

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“Às vezes você tem que fazer mais um pouco”, Sal (Bryan Cranston) diz para seu colega e ex-companheiro de guerra, Mueller (Laurence Fishburne), em uma cena que explicita um dentre vários discursos presentes no filme. Em meio a questionamentos que envolvem crença e ceticismo, coragem e fraqueza, o melhor e o necessário, A Melhor Escolha (Last Flag Flying), dirigido por Richard Linklater (Boyhood) apresenta um pano de fundo pouco envolvente, ou melhor, uma desculpa, para debater diferentes visões de mundo que podem surgir ao haver uma troca de gerações no planeta.

Depois de ser notificado pela marinha americana da morte do filho na guerra do Iraque, Larry (Steve Carell), um ex-fuzileiro, vai atrás de dois antigos colegas, que também serviram com ele na guerra do Vietnã, com a proposta de o ajudarem a enterrar o garoto. Os amigos são Sal e Mueller. Premissa simples, não é? Mas há mais uma coisa! Por culpa desses antigos colegas, Larry acabou sendo preso no passado ao fim da guerra.

Cenas longas de diálogos são um recurso que o diretor Richard Linklater não abre mão para o desenvolvimento da história, sendo um artifício pouco inovador (ou não). A gigantesca importância dada às falas fica explícita ao término da apresentação dos três personagens principais. Um por vez, primeiro Larry, depois Sal e por último Mueller.

O filme se inicia com Larry entrando no atual bar de Sal e se reapresentando para o amigo, onde começa uma longa tomada de diálogos naquele ambiente. Em uma cena, a personalidade dos personagens ali presentes, o estado físico e mental e até algumas sequelas da guerra são expostas. O mesmo acontece quando há a cena de introdução de Mueller, mas pelo fato de, no corte seguinte, ele se tornar o centro das atenções.

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O diretor é suficientemente paciente para não introduzir o arco da história por trás de cada personagem de uma vez, permitindo que as conversas não fiquem expositivas demais e soem de forma natural. Por exemplo, você já sabe desde o início que Sal é o alívio cômico da trama justamente por ter encontrado nas piadas uma forma de lidar com seu passado. Mas o que compõe a trajetória de vida, a forma de enxergar o mundo e o drama pessoal dele vai sendo exibido de forma diluída. Tudo isso encaixado também ao desenvolvimento dos outros personagens.

Por exemplo, há uma cena em que Sal e Mueller estão em um carro e, pela primeira vez, é citado o que eles fizeram a Larry no passado. O diretor espera esse ponto do filme para mostrar o remorso que Sal guarda pelo ocorrido e como Mueller tenta encontrar outros culpados. Pode ter soado como uma crítica negativa a extrema dependência de diálogos para o andamento da trama, mas, na verdade, não é. Linklater consegue criar uma química perfeita entre os três personagens, formando cenas extremamente leves, engraçadas e naturais – embora visualmente, algumas vezes, fiquem empobrecidas de elementos que também conversam com o desenvolvimento da trama.

Exibir ideias como a necessidade de ser cristão para querer ajudar o próximo, o complemento perfeito entre o crente e o cético, além da vitalidade em qualquer momento da vida, sem dúvidas, são os maiores focos e onde se encontram as mensagens que o filme quer passar. Um momento marcante da história é quando o personagem do Bryan Cranston decide fazer algo que irá aliviar sua mente. Essa decisão é tomada por conta de um julgamento negativo que ele mesmo faz dos outros personagens. Entretanto, na hora da realização de sua decisão, algo que antes não era da sua personalidade mas que foi aprendido por ele faz com que ele volte atrás. Derrubando também o julgamento feito anteriormente. Clichê? Pode até ser, porém é funcional.

Foi citado com ênfase na sinopse a questão de Sal e Mueller já terem um passado infeliz com Larry. Isso porque até mais da metade do filme, várias vezes essa tecla é pressionada mas sem a preocupação de explicar a motivação para o ocorrido no passado, até o ponto que a trama parece esquecer tal ocorrido de vez, dando um desfecho completamente não empático para essa questão. Claramente, a cena em que dois personagens mostram as consequências dos atos que prejudicaram Larry era para ter um cunho muito dramático e que mexesse com o espectador. Mas foi sem sucesso. Muitas outras coisas se sobressaíram diante disso, inclusive a comédia.

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Agora, um ponto controverso. É possível que o diretor tenha perdido um pouco a mão na dosagem da comédia e piadas. 80% delas funcionam e levam o espectador a gargalhadas na sala de cinema, entretanto, o filme tem a pretensão de aumentar muito o nível de drama na parte final, algo que não é bem sucedido. O excesso de piadas em algumas cenas de cunho mais dramático dão a sensação, ao final da experiência do espectador, de que esse é um filme puramente de comédia com um leve fundo dramático. Não existe peso na cena final e, claramente, não era essa a intenção do diretor pela forma como se encerra o longa.

Vale um grande destaque para uma cena específica em que se encontram quatro personagens conversando em um trem. A cena é dirigida de forma tão exuberante que é perceptível que os enquadramentos escolhidos têm a finalidade de posicionar o espectador também no meio do diálogo. É convidativo. Como se você também fizesse parte do filme naquele momento. Simplesmente genial. Ou ela pega entre os ombros de dois personagens, filmada de forma panorâmica para ter a total visão das pessoas no ambiente; ou é filmada numa altura maior que a deles.

Infelizmente, a trilha sonora é algo que deixa muito a desejar. Ela não consegue conversar com as cenas dramáticas para reforçar o peso. Muitas vezes são cortadas, mas você estava tão leve e risonho antes, que mal percebe a mudança de tom na cena. A maioria das músicas é instrumental e poucas cantadas, mas nenhuma delas é grandiosa.

A Melhor Escolha é saudosista com momentos na vida de reencontro com antigas amizades. Traz debates bem humorados que até podem ser conhecidos em grupos de família atualmente nos celulares das pessoas (o que facilita o envolvimento do espectador com trama) e diverte mais do que choca. Uma boa escolha para um domingo à tarde com a família e amigos, já que não será necessário nenhum esforço maior para o entendimento da trama, que é simples, rasa e relaxante.

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