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A Divisão (2020)

Crítica da Jade Abreu

O filme A Divisão é um mais do mesmo em tramas de confronto de polícia e bandido. Um clichê que claramente tem a herança de Tropa de Elite mas que deixa a desejar. Antes de tudo, é preciso lembrar que o filme é uma série da Globoplay que estreou em julho de 2019, com cinco episódios de 30 a 40 minutos cada. O filme então passa a ser um resumo do que foi apresentado na série, sem mudanças no roteiro, personagens novos ou qualquer outra informação que pudesse acrescentar à história liberada para os assinantes do serviço de streaming. Inclusive, a série chega a ser mais completa, já que tem um desenvolvimento maior: o filme termina no que seria o quarto episódio.

Mas não é só isso que decepciona. A história, infelizmente, é fraca. Realmente é uma pena por ser baseada em fatos reais, o que dá pano para manga para se fazer algo legal. No entanto, o filme parece um roteiro televisivo desses que já tem um imaginário popular para se firmar. Em 1997, uma onda de sequestros assustava o Rio de Janeiro. A divisão anti-sequestros – existente até hoje – consegue diminuir os dados, o que resulta em uma melhora significativa. A trama então trata de uma reestruturação dentro da divisão a partir do rapto da filha do deputado Venâncio Couto (Dalton Vigh).

No novo formato da polícia, Mendonça (Silvio Guindane) assume o comando da divisão. Ele é um personagem que divide opiniões sendo conhecido como genocida e como herói pela polícia. Nessa estrutura, três integrantes conhecidos como corruptos na corporação são também transferidos para ajudar a encontrar os sequestrados. Santiago (Erom Cordeiro) é o líder e seus comparsas são Ramos (Thelmo Fernandes) e Roberta (Natália Lage). No histórico da corporação, eles são conhecidos como mineiros – policiais que sequestram criminosos e exigem dinheiro para que eles sejam libertados. Isso dá a eles influências com as pessoas que vivem na ilegalidade.

Tropa de elite? Esquadrão corrupto para salvar o dia?

Onda de sequestros era no Brasil

É importante ressaltar que, apesar do que o filme mostra, a onda de assaltos não se limitava ao Rio de Janeiro. No final dos anos 90 e no início dos 2000, outras capitais brasileiras também apresentavam números do crime tipificado. Vale lembrar que em 1997, a filha do ex-senador Luiz Estevão é sequestrada em Brasília e, em 2001, há, em São Paulo, o rapto de Patrícia Abravanel, filha do empresário Silvio Santos.

A trama apresenta como solução para evitar os crimes, matar os brandidos e torturar os comparsas. Metodologias altamente controversas de serem abordadas e são feitas de forma simplista. Em investigações que se resolvem em passos de mágica, num período sem internet, a equipe policial identifica som de rádio pirata em gravações.

O que me causava muito desconforto era como o filme se fazia dramático. Cada cena tinha pelo menos 30 segundos de câmera rodando, mostrando todo o ambiente, foco na pessoa 1, na pessoa 2, na mesa. Durante cerca de um minuto, Venâncio segura um papel e roda na mão apenas para aumentar o drama. Sem nenhum dinamismo, o recorte do filme ficou cafona e forçado.

Montagem com linguagem de TV não funciona.

Personagens femininos são os estereótipos de Eva (cretina) e Maria (mãe santa)

Os papéis femininos são os mais clichês possíveis. Podemos resumir as mulheres no filme em estereótipos femininos:

  1. Roberta, a “cretina policial” – corrupta e com escrúpulo menor que seus comparsas, isso fica desde o início evidente.
  2. “A cretina da campanha”, Ingrid (Rafaela Mandelli) – assessora do deputado que usa o rapto para aumentar o número de eleitores do deputado (apesar de as eleições só serem em 1998, o filme ignora os prazos para lançamento de campanha e coloca Venâncio como candidato a governador um ano antes do que seria permitido).
  3. Raquel, a mãe chorona, interpretada por Vanessa Gerbelli, – se disse dez palavras ao todo no filme, foi muito. Apesar dos anos de carreira, Gerbelli leva consigo apenas olhares e choro para o filme.
  4. Médica (Cinara Leal) – ela é namorada do policial Santiago e responsável pelas “coincidências” novelísticas que não são explicadas e pelas cenas mais sensualizadas.

Apesar de haver cenas íntimas de um casal, não são apelativas pelo sexo em si, o que é um ponto positivo. Os apelos existem, mas são direcionados a violência e a palavrões. Porém vale destacar que, na cena pós-sexo, a nudez feminina é mais explorada que a masculina. No entanto, deve ser avisado que há uma cena de estupro, apesar de não ser das mais fortes e até justificável para uma quase fuga, apenas me causou desconforto e achei desnecessária.

O que é mostrado nas imagens não é condizente com o que o texto apresenta.

Esquizofrenia entre discurso de imagem e de texto

Mendonça é altamente religioso. Essa informação nos é dada por imagens de Nossa Senhora na sua casa e de braços envoltos por terços. No entanto, apenas nessas caracterizações físicas podemos inferir isso. Em nenhuma fala, em nenhuma postura ele nos passa isso. Esse é mais um ponto que reforça a grande esquizofrenia do filme que, na imagem apresenta algo, mas no desenrolar é extremamente contraditório.

Logo no início, há o discurso de Paulo Gaspar (Bruce Gomlevsky) que diz que a polícia tem que parar de ser corrupta – técnica de narração que quer passar o discurso de moralidade. Porém o saldo do filme é que a polícia só consegue solucionar o sequestro quando descumpre as leis, com grampos telefônicos, vandalismo de orelhões, tortura, assassinato sem um motivo. Algo que é importante perceber é que a corrupção não está presente apenas quando envolve dinheiro, mas quando há uma conduta corrompida, seja por interesses pessoais, por poder. Ou seja, um policial violento é também corrupto.

A série poderá ser indicada para quem tem gozo sádico da violência policial, causando até momentos de euforia em perseguições dentro da favela. Com tantos conteúdos bons sendo produzidos pela Globoplay, como a premiada Sob Pressão e a estreia arrasadora de Segunda Chamada, A Divisão cai em discursos fracos e repetitivos.

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