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A Chegada (Arrival – 2016)

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Filmes como A Chegada são raros. E quanto menos se vai ao cinema, mais difícil fica de encontrar exemplares do tipo. É por isso que as pessoas se apegam a certos nomes. Como neste caso, as palavras Denis e Villeneuve, que chamam a atenção porque aqueles que acompanham filmes sabem que se trata de alguém que dirigiu pequenas pérolas anuais.

Como na maioria das obras de Villeneuve, a trama começa com uma premissa que esconde o verdadeiro valor da produção. Doze imensos objetos flutuantes e em forma de concha aparecem em pontos diferentes do planeta e, de 18 em 18 horas, se abrem para tentar estabelecer contato com os humanos. Para traduzir a língua alienígena e compreender as consequências do que ocorre, a CIA chama a doutora especialista em linguística Louise Banks (Amy Adams) e o cientista Ian Donnely (Jeremy Renner).

Parece uma simples ficção científica, mas Villeneuve esconde mais por trás do que se vê na simplicidade do roteiro. A Chegada é sobre duas coisas: linguagem e aceitação. E as duas propostas dialogam entre si como nas melhores obras do gênero: misturam uma suposição possível com base na ciência e tratam da condição humana.

Existe um problema complexo para o crítico no roteiro de A Chegada. Ao falar da estrutura narrativa, existe o risco de falar demais sobre a história. O que revela uma qualidade extraordinária, pois a narrativa é fundamental para a trama e vice-versa. O roteirista Eric Heisserer adapta o conto História da sua Vida para um roteiro coeso com a linguagem de cinema.

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Língua alienígena. Tema trata sobre comunicação, compreensão e aceitação.

O que por si só já é impressionante. Criar um visual para uma história de origem literária é quase uma armadilha, porque a forma como a trama é contada na escrita tende a contaminar o filme. Aqui, porém, toda a estrutura de imagens é ao mesmo tempo coerente e tem uma identidade além do enredo. Isso se dá de diversas formas. A começar porque o roteiro não precisa que os personagens expliquem o que acontece. Basta que ocorra para que o espectador compreenda.

Os objetos aparecem nos céus. Para demonstrar o efeito sobre a civilização, não é preciso que um alguém diga para outra pessoa que está com medo. Basta ver um pequeno acidente no estacionamento da faculdade em que Louise dá aula para notar um medo inerente nas civilizações. Mas a solução não funciona apenas nas situações apresentadas pelo texto de Heisserer. Villeneuve é um desses diretores que pensa cuidadosamente em cada enquadramento.

Na cena em que Louise é levada pelo exército para ir encontrar a nave, uma luz surge na janela dela com um som retumbante. Parece que os UFOs vieram busca-la, mas trata-se de um helicóptero. A intenção é mostrar que os terráqueos são quase alienígenas uns para os outros. Os humanos são diferentes e incompreensíveis demais entre si. Ao mesmo tempo, existe uma noção de perigo em relação aos militares, que são quase invasores na vida de Louise. A história é contada pela narrativa audiovisual, sem recorrer a recursos pobres, e ainda existe uma metáfora em relação às discussões apresentadas.

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Humanos afastados da luz. Iluminação representa a compreensão.

Tudo no filme trata diretamente sobre linguagem, e como ela determina a compreensão sobre o mundo. Mudam as línguas e, junto com elas, a cultura. A proposta é que exista uma compreensão maior que apenas o português, o inglês, o chinês ou qualquer outra representação cultural local. Essa reflexão é levada ao ápice em um terceiro ato climático sem precisar de ação, tiroteios e efeitos especiais grandiosos. O filme não é sobre isso.

O que se expande para a aceitação: compreender significa perceber tanto as perdas quanto os ganhos. Nada é sem aspectos negativos e positivos. Entender isso também é uma forma de aceitar. Parece que Villeneuve e Heisserer querem explicar como as diferentes línguas criam mais que incompreensão, mas intolerância e sofrimento com o medo da perda.

O diretor de fotografia Bradford Young compõe com diferenças de claro e escuro e com tons quentes e frios. Louise se encontra em ambientes sombrios quando não sabe o que fazer ou como entender. Quanto mais aprende e evolui no entendimento dos alienígenas, mais ela se aproxima da luz até finalmente fazer parte de ambientes completamente claros. Ao mesmo tempo, os ambientes com luzes amareladas são usados para tratar da confusão da personagem em relação aos “sonhos e memórias” dela. Quando se encontra na vida real e no presente, ela está em iluminações brancas.

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Jeremy Renner em cena. Adoração sem exageros.

Um dos grandes destaques técnicos é a montagem. A Chegada é um filme lento (o que não significa chato) com uma estrutura não linear. Ele muda os momentos dramáticos sem perder o ritmo. Para isso, usa a cadeia de pensamentos de Louise para a história ao conduzir a narrativa pelas lembranças dela. Em certo ponto, ela descobre a resposta para um problema em um diálogo de uma lembrança. O único momento em que a linguagem precisa ser linear, o foco da compreensão muda para Donnely, que tem uma visão diferente dos eventos.

Amy Adams não apresenta uma grande e diferente interpretação e, ao se revelar contida em cena, não faz nada além do básico. Em alguns momentos sequer parece expressar as emoções adequadas às situações. Jeremy Renner, pelo contrário, surpreende com pequenas expressões de um homem de lógica. Nada parecido com os heróis de ação que ele interpreta normalmente. A cena em que vê e entra na nave pela primeira vez envolve muitos sorrisos escondidos por medo. Tudo com reflexos faciais rápidos.

A Chegada é uma produção com nível de qualidade Denis Villeneuve. Significados profundos, por trás de tramas e propostas simples, e linguagem que trata do tema principal sem deixar de conduzir a história. Sem complicações desnecessárias, faz o que filmes deveriam fazer sempre.

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