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A Bela e a Fera (Beauty and the Beast – 2017)

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Na onda dos remakes de clássicos animados da Disney em forma de filmes com atores reais, finalmente chegou a vez de investir nas animações da chamada era de ouro, em 1990, com A Bela e a Fera. O filão se provou rentável para o estúdio e, entre os sucessos, surgiram desde pérolas como Mogli: O Menino Lobo, até coisas aterradoras, como Alice no País das Maravilhas.

Todos se lembram da história da animação de 1991, que acompanhava uma camponesa francesa chamada Bela (Emma Watson) que se apaixona por um ser chamado apenas de Fera (Dan Stevens), em um castelo afastado. Ela ficou prisioneira dele para libertar o pai, que havia adentrado na reclusão da criatura e o convívio mostrou que ele era mais do que os olhos eram capazes de ver.

Nada melhor que explorar a nostalgia de fãs apaixonados para arrecadar mais de um bilhão de dólares ao redor do mundo. Mas o longa animado de 26 anos envelheceu mal, com inúmeros problemas de narrativa, personagens bidimensionais e, obviamente, uma mensagem romântica deturpada, que incentiva pessoas a aceitarem relacionamentos abusivos em nome de um amor idealizado. É preciso atualizar sem intervir no que os nostálgicos adoram.

Lumiere e Cogsworth
Lumiere e Cogsworth. Castigo sem sentido.

É um equilíbrio delicado que os roteiristas Evan Spiliotopoulos e Stephen Chbosky tentam alcançar com certa elegância. Eles recriam momentos importantes da trama original com mais detalhes que explicam contextos absurdos da animação. Por exemplo, mantêm os serviçais do Fera castigados como móveis na trama, mas tentam explicar porque eles são merecedores de dividir a pena com o príncipe esnobe e egoísta.

Esses detalhes permeiam diversos aspectos da trama, como as razões para um cientista com uma filha a frente do tempo em que vivem se reclusar em uma aldeia de interior cheia de cidadãos intolerantes e ignorantes. Também fazem com que o vilão Gaston (Luke Evans) mergulhe, aos poucos, no desespero antes de realmente se tornar um maníaco assassino.

O problema é que raramente fazem sentido. A justificativa para a pena dos empregados de Fera praticamente remete àqueles argumentos retrógrados de que pais e mães devem pagar publicamente pelos crimes dos filhos menores de idade. Por outro lado, quando esse aprofundamento funciona, é primoroso, como na dupla Gaston e o assistente Lefou (Josh Gad), que não apenas são mais humanos, como refletem mais sobre a mensagem principal da obra: que a beleza exterior não é o que determina os valores de alguém.

Gaston e Lefou
Gaston e Lefou. Grandes trunfos do filme.

O que mais incomoda, porém, é que de tanto tentar atualizar a trama, os roteiristas (e todos os outros realizadores também) esqueceram de tratar da questão principal. Bela é sequestrada e maltratada pelo príncipe encantado dela, mas não importa. Como ele é belo por dentro e o amor é verdadeiro, deve-se esquecer dos abusos e lutar e resistir mais para salvá-lo por meio do sentimento.

Na verdade, o filme piora isso, porque a animação apenas mostra Fera enquanto ele muda com o convívio com Bela. Aqui, os móveis vivos falam para ela que ela precisa resistir para salvá-lo. É uma mensagem terrível, que alimenta muitas relações problemáticas e coloca pessoas em situações vulneráveis ao redor do mundo.

Além disso, o diretor Bill Condon não parece dominar a parte técnica de cinema, especialmente nos números musicais da produção. O realizador fez o excelente Dreamgirls, do mesmo gênero, mas aqui parece empolgado com a ideia de ter orçamento inflado para filmar móveis e seres criados por computação gráfica. Então, faz a câmera girar pelos cenários vertiginosamente enquanto as músicas ocorrem.

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Bela com o pai. Motivações mais bem explicadas.

Mas filmes funcionam com 24 imagens por segundo, o que impede com que os movimentos de câmera sejam acelerados demais para certas ocasiões. Como Condon quer criar noção de ritmo com essa movimentação, ele não percebe que cria planos rápidos em que as coisas ficam tremidas e confusas. O que quebra a noção de “realidade” da produção constantemente.

Isso também ocorre por conta da direção de arte, que peca ao tentar recriar de maneira minimalista os detalhes da animação. Então, as roupas, maquiagens, cabelos, animais, cenários e tudo o mais parecem falsos, de tão lindos e perfeitos. A ambientação da trama é problemática; nota-se pelas roupas dos personagens, minimamente sem defeitos. Vide as vestimentas de Gaston e Lefou.

Os destaques nas atuações ficam por conta de Luke Evans e Josh Gad, que parecem confortáveis como Gaston e Lefou. É um ganho a mais nos dois personagens melhor escritos. Dan Stevens, como Fera, está muito bem. Existe uma dualidade no olhar e nos gestos da criatura feitas com sutileza. O elo fraco é a Emma Watson. Não que ela seja ruim, mas nos diversos momentos em que tem que interpretar com objetos inanimados que não estavam com ela nos cenários, a atriz não parece completamente presente no momento. O que pode ser um problema mais do diretor que dela.

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Direção de arte pobre atrapalha na ambientação.

Com um roteiro muito melhor e mais desenvolvido que o do material original (vale lembrar que a versão com atores tem cerca de 40 minutos a mais que a desenhada), A Bela e a Fera sofre de problemas que se somam e desgastam o que poderia ser uma atualização necessária a uma trama ultrapassada.

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