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Os 3 Infernais (3 From Hell – 2019)

Quando A Casa dos 1000 Corpos marcou a estréia de Rob Zombie – até então músico – nos cinemas, o mundo ficou dividido entre o ultraje horrorizado e a absoluta fascinação. A mistura de gore, erotismo e tortura havia sido produzida pela Universal Pictures em 2000, mas a censura atrasou sua chegada aos cinemas por 3 anos. Apesar de ter sido considerado um sucesso do ponto de vista financeiro (arrecadou 16 milhões de dólares contra um orçamento de 7 milhões), a crítica o classificou como “podre” de acordo com o Rotten Tomatoes.

A Casa dos 1000 Corpos foi também a primeira aparição da família Firefly (Vagalumes) nas telas, aterrorizando e eviscerando dois casais insuspeitos que chegaram à decrépita mansão da família após terem problemas com o carro. O clã era formado pelo patriarca, Capitão Spaulding (Sid Haig), a matriarca, chamada apenas de Mãe Firefly (Karen Black), e os filhos Otis (Bill Moseley), o gigantesco e grotesco Tiny (Matthew McGrory) e a caçula, Baby (Sherri Moon Zombie). Ao final, Zombie já fez pairar a possibilidade de um retorno com a indagação “The End?” nos créditos finais. 

E de fato, os vitoriosos Firefly retornaram em Rejeitados pelo Diabo (Devil’s Rejects, 2005), dessa vez mais preocupados em escapar de um vingativo xerife do que em se divertir estripando inocentes incautos (não que inocentes não tenham sido estripados em sua fuga desabalada pelo interior dos EUA). As cenas iniciais da família dormindo em meio a cadáveres de mulheres torturadas até serem despertados por uma rajada de tiros é seguida por uma fuga épica pelo esgoto. Cenas de tiroteios e explosões foram adicionadas e há quem diga que a segunda parte da saga de Zombie foi sua melhor produção até o momento. O final de Rejeitados Pelo Diabo, quando o trio investe contra os policiais sob uma chuva de tiros ao som de Free Bird (se há algo que podemos elogiar nas produções de Rob Zombie são as trilhas sonoras), parecia ter assinalado o final eletrizante das personagens.

Personagens na prisão. Vida após tiroteio climático do filme anterior.

Mas eis que, mais de 10 anos depois do segundo filme, Zombie decide trazer os Firefly de volta com 3 Infernais (Three From Hell). A terceira parte da saga (que possui selo da Lionsgate, Saban films e Spookshow International Films) foi exibida nos cinemas em época de Halloween – quando a mente da população em geral deve estar mais sintonizada com o universo grotesco e violento de Zombie. 

A história começa retomando os eventos finais de Rejeitados Pelo Diabo. Para quem não se recorda, os fugitivos Firefly foram alvejados por milhares de balas ao melhor estilo Bonnie Parker e Clyde Barrow; uma cena épica, bastante “gone in a blaze of glory”. As cenas iniciais de 3 From Hell mostram um documentário sensacionalista que explica ao público  que não apenas Baby, Ottis e Capitão Spaulding sobreviveram ao massacre – um milagre que teria sido visto como obra do próprio Satã – mas com isso ganharam uma multidão de seguidores fanáticos que vêem em seus crimes sangrentos um ato de rebeldia contra o sistema político. Essa é apenas uma das amostras do senso de humor particular de Zombie – que tem um pé no surreal, outro no sádico e o resto do corpo no Reino do absurdo – nos presenteia com cenas épicas como a do Palhaço batendo à porta da casa tomada pelos assassinos fugitivos e presenteando-os com animais de bexiga. A fantástica cena da luta de Baby contra duas presidiárias estupradoras em uma gaiola também rende bons momentos de tensão.

O patriarca Spaulding foi condenado à morte via injeção letal enquanto Ottis e Baby seguem encarcerados. Surge o meio irmão de Ottis e Baby, Winslow Foxworth (Richard Blake), também um conhecido assassino em série, para resgatar Ottis da cadeia. A fuga dos dois é seguida por um massacre dos guardas e outros prisioneiros. Uma vez livre, os dois vão atrás da irmã, Baby, que perdeu o pouco de sanidade que ainda tinha enquanto passou a maior parte dos últimos anos na solitária, sonhando com uma gatinha de sua infância sob o olhar excitado de uma guarda sádica. 

Sid Haig. Ponta rápida devido à condição física.

Aí estão dadas as cartas para mais uma história de fuga alucinada, dessa vez em direção ao México. E embora Zombie mantenha o estilo sangrento e chocante que o caracteriza, é possível perceber uma certa suavidade, quase um cansaço, que se apossou do trio ensandecido nessa etapa. Seu principal foco não é mais matar por diversão, mas sobreviver. Em motéis pela estrada, na cadeia e nas casas de vítimas azaradas, eles matam mais por hábito que por prazer.

A mudança é sutil, mas perceptível, e parece adequada a personagens que passaram uma década encarcerados e, mais ainda, ao diretor. 

Em entrevista ao HEAVY Cinema, Zombie confessou que os personagens de 3 Infernais eram, na verdade, muito próximos a ele próprio; “Posso escrever diálogos para eles por horas”, disse. E na terceira produção da franquia, o trio exibe momentos de conversas razoavelmente sãs em que trocam ideias sobre Humphrey Bogart e James Cagney, O Corcunda de Notre Dame de William Dieterle e até sobre roteiros para filmes pornográficos. Baby, em um raro momento de consciência, faz uma pergunta existencialista aos irmãos. Bill Moseley aparece mais velho e exaurido pela vida como prisioneiro em campos de trabalho forçado (mas letal o bastante para vencer uma luta com um facão). No fim, os Firefly são, acima de tudo, niilistas: eles não acreditam em moral, bem e mal, Deus ou Satã. Eles não têm nenhum interesse em dinheiro ou luxos de qualquer espécie. E se por um lado Ottis parece ter um enorme desprezo por aqueles que consideraríamos “pessoas normais”, os psicóticos Firefly podem ter uma grande tolerância para com os excluídos de toda espécie. Surge uma amizade leal entre Baby e um anão mexicano e as prostitutas que dormem com Ottis e Foxy passariam incólumes pelo encontro, se não precisassem ser usadas de escudo contra os homens que os estão caçando.

Baby se diverte em mais um assassinato “ocasional”.

Uma das maiores mudanças na história foi a ausência do palhaço maníaco, Firefly Pai, Capitão Spaulding. Sua execução no início do filme veio para justificar a ausência de Sid Haig, embora sua participação ainda esteja na maioria das sinopses. De acordo com o diretor, condições de saúde de Haig o impediram de atuar no filme – que exigia um enorme esforço físico na maioria das cenas. Zombie, ao perceber que o ator não conseguiria completar as filmagens, re-escreveu todo o roteiro em uma noite e acrescentou a personagem de Richard Blake (Winslow Foxworth), com quem já havia trabalhado em 31 (Doom-Head) e em Halloween I e II. 

Um elenco mais velho, um Rob Zombie mais maduro e personagens que ficaram uma década dados como mortos dão um ritmo mais lento a 3 Infernais. Elementos que permeiam o universo do diretor desde Casa dos 1000 Corpos (palhaços, cidadezinhas bizarras e uma multidão de esquisitões) enfeitam a produção. Um clássico do trash, sem dúvida, como todos os filmes de Zombie possuem o potencial para ser. Não tão visceral quanto Rejeitados pelo Diabo e não tão puxado para o terror macabro de Casa dos 1000 Corpos, 3 Infernais pode marcar uma nova fase do diretor ou o fim (O Fim?) da saga Firefly. Seja qual for a razão, vale a pena conferir.

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