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Tetro

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Quando se fala de Francis Ford Coppola, é preciso ter cuidado. Coppola não é um bom diretor qualquer. Trata-se de um desses raros gênios excêntricos cujas histórias pessoais são tão impressionantes quanto a própria obra. Analisar um filme dele com olhar cínico é como se um crítico de arte olhasse para a Mona Lisa pela primeira vez.

Bennie (Alden Ehrenreich) faz parte da tripulação de um cruzeiro comercial. Os motores do navio quebram no porto de Buenos Aires e eles deverão ficar na cidade por cinco dias. Ele aproveita a oportunidade para encontrar o irmão que sumiu há anos, Angelo, que agora se identifica pelo nome Tetro (Vincent Gallo). O convívio durante a estadia de Bennie vai revelar os muitos segredos por trás da tragédia que levou Tetro a fugir de casa.

Coppola faz uma brincadeira autobiográfica. De acordo com o próprio diretor, “Nada do filme aconteceu, mas tudo nele é verdade”. Como a sinopse deixa claro, Tetro aborda uma tragédia familiar. Portanto, a palavra melodrama vem rápido à mente. Melodrama por melodrama não é necessariamente ruim. Nas mãos de um gênio como Coppola, ganha contornos de tragédia grega. Com diversos níveis de problemas pessoais escondidos por trás de cada mistério resolvido por Bennie.

filmes-5976-fotos-tetro_27Tetro. Mistério em camadas.

Já se ressalta a qualidade do roteiro. Escrito pelo próprio diretor, ele esconde por trás de cada mistério e reviravolta uma nova dúvida. O espectador fica em suspense constante. Não porque alguém está em perigo, mas porque a vontade de saber o que pode ser pior que a última descoberta é grande. Principalmente com as reações de Tetro, que tenta a todo custo esconder as razões pelas quais perdeu a sanidade. Com cuidado, Coppola equilibra o desenvolvimento de forma a parecer que Bennie vai perder as pistas e logo em seguida encontrar um novo caminho. Até o clímax, no qual a verdade surpreendente é revelada e as consequências são tão devastadoras para o protagonista, como foi para o irmão perdido.

Apesar de se concentrar nos dois irmãos, Coppola fala sobre relações paternalistas. O confronto de Tetro com o pai dos dois vai refletir na conexão entre ambos. Os problemas mentais e emocionais de Tetro são espelhados na forma física do mesmo. Ele começa com muletas e com a perna engessada. À medida em que Bennie o desvenda, ele fica mais completo. Por outro lado, Bennie se entrega aos poucos às condições de Tetro, sem saber que a verdade também irá dilacerá-lo. Diversas analogias tratam do momento de ruptura da família. Principalmente as luzes brilhantes. Tetro se hipnotiza por brilhos sempre que se perde no passado. Como uma mariposa que não consegue deixar de voar na direção da luz que lhe faz mal. É a principal parábola do filme. Ela marca a cena de abertura e a decisão final dos dois personagens principais.

A fotografia em preto e branco revela o universo desmoronado e sem vida depois da tragédia. Nos flashbacks do passado, as cores tomam conta. Antes do momento da quebra, o mundo ainda era vivo e colorido. Coppola brinca com o monocromático para reinventar estilos de toda a história do cinema. O filme é widescreen preto e branco, mas nas lembranças coloridas vira 3×4 e os enquadramentos remetem a estilos da era do preto e branco. Coloca elementos típicos do surrealismo, mas com saturação alta. No monocromo, a luz e as sombras criam estilos expressionistas carregados. As luzes acertam os olhos em momentos dramáticos. As sombras escondem pessoas que, pela vez delas, escondem sentimentos negativos.

tetropadreTetro e Bennie em meio às luzes. Sentimentos no escuro.

Coppola enquadra as pessoas com objetos no meio da cena para separá-los quando um deles não quer a interação. Espelhos revelam quem está fora de enquadramento enquanto se aproximam. Denota-se o talento de um diretor que consegue criar imagens de impacto com pouco. Mesmo um apartamento é suficiente para criar planos engrandecedores que enchem a tela com beleza e narrativa. Mesmo em um filme sem cores.

Uma das pérolas dos últimos dez anos que poucos viram. Em 2009, ano do lançamento, foi aclamado pela crítica internacional. Infelizmente quase ninguém conferiu no meio comercial. Aproveite a mostra Francis Ford Coppola no CCBB para dar valor à esta obra perdida do mestre.

 

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