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Manchester à Beira-Mar (Manchester by the Sea – 2016)

Crítica da analuizamedeiros.com Lee recebe notícia no celular.jpeg

O maior desafio dos filmes dramáticos atuais é não cair nos velhos estereótipos criados por Hollywood ao longo dos anos. Roteiros que tentam contar histórias pelo retrato da dor e do sofrimento humano caem na mesmice com facilidade, ao apelarem para problemáticas repetitivas, como adolescentes raivosos ou adultos com vidas amorosas disfuncionais.

É aí que Manchester à Beira-Mar consegue se distinguir com maestria. Nele, é contada uma história pura, claramente explicada, e em total contato com a realidade de uma tragédia e suas ramificações nas vidas de quem tenta seguir em frente e deixar as lembranças ruins e os traumas para trás.

O personagem central, Lee Chandler – Casey Affleck, de Interestelar (2014) – é introduzido como um homem jovem e saudável, porém, cercado por sua auto infligida solidão, alheio a convenções e responsabilidades sociais, desapegado de seus próprios sentimentos e vontades, vive de forma automática e frugal.

Sabe-se pouquíssimo sobre ele ou a vida dele, quando a notícia sobre a morte do único irmão é passada. Ele se mostra aflito, ainda que contido, e o irmão e a relação entre eles só são apresentados depois da reação de Lee à notícia. É impactante para o espectador poder vivenciar o momento da perda de forma tão pura, sem nenhuma referência sobre aquele de quem nos despedimos e, talvez por isso, a empatia seja imediata.

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Lee com o sobrinho. Sofrimento lento.

A trama segue com o desenvolver da relação entre Lee e o sobrinho adolescente, Patrick – Lucas Hedges, de Moonrise Kingdom (2012) – por quem se tornou responsável legalmente. Em meio aos primeiros dias de contato entre eles, após tanto tempo separados por morarem em diferentes cidades, e a forma que cada um encontra de lidar com a perda, flashbacks contam, com o mesmo grau de humanidade e nuances da vida de pessoas comuns e razoavelmente ajustadas, o motivo pelo qual sentimos a perda tal qual a sentimos. São os mesmos motivos que levaram Lee a se isolar, da forma como o fez de sua família e cidade natal.

De forma crua, se torna muito interessante observar uma realidade que está presente na vida da maioria: o fato de que, mesmo após a perda trágica de um ente querido, como a vida continua de forma efêmera, ordinária, e como os dias seguem sem que seja possível identificar qualquer preocupação por parte do mundo para com a perda individual. O mundo continua, a vida segue, e você simplesmente tem que acompanhar.

A relação entre tio e sobrinho se desenvolve enquanto eles lidam com essa perda e, mais do que isso, com as obrigações com relação ao funeral, liquidação de bens, partilhas e responsabilidades do dia-a-dia. É estranho e confortante, ao mesmo tempo, ver como a vida corre naturalmente, lado a lado com a morte e a dor.

Com direção e roteiro de Kenneth Lonergan – Gangues de Nova York (2002) e Máfia no Divã (1999) -, produção de Matt Damon, produção executiva de John Krasinski, e fotografia de Jody Lee Lipes – Descompensada (2014) e a série Girls (2012) – o filme é belo no sentido mais amplo da palavra. Relaciona lindas cenas belamente fotografadas com ambientação natural e bucólica e evoca a melancolia da trama com o clima frio, ainda que permita momentos mais leves criados pelo roteiro, balanceados com maestria entre os duros golpes que se leva durante as cenas mais pesadas, carregadas de drama e lágrimas tão orgânicas, com momentos entre família e amigos, que resgatam o valor dessas relações em nossas vidas.

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Junto com Michelle Williams. Duas interpretações elogiadas.

A trilha sonora apenas peca no sentido de pegar pesado em cenas que, por si só, seriam capazes de fazer chorar o mais desapegado dos homens, apesar da intensidade poder ser vista como contribuinte para a cena, que, por sua vez, muito mais do que apenas diálogo, conta muito com a atuação totalmente presente e indivisível dos atores da trama central. Hedges, o sobrinho, mostra dedicação e desenvoltura, principalmente nas cenas onde se comporta como um adolescente típico, que por ventura acaba de perder o pai e ainda procura formas de lidar emocionalmente com isso, e fica como promessa para o futuro. Outro destaque é Michelle Williams – de Namorados para sempre (2010) e Sete Dias Com Marilyn (2011) – , que interpreta a ex-esposa de Lee, Randi, e tem aparições pontuais, mas definitivas para a trama, de forma que a história sofreria grande perda não fosse pela presença marcante e decisiva, ainda que delicada e generosa.

O grande destaque fica para Affleck, que entrega uma performance contida e emocionante. Ele construiu um personagem intrigante que preenche a tela e, apesar de estar presente em quase todas cenas, não se torna cansativo ou pedante. Pelo contrário, se torna alvo de curiosidade e interesse e, apesar de sua clara dificuldade em lidar consigo mesmo, navega facilmente de cena em cena enquanto tenta, de várias formas, resolver tudo o que ele julga ser responsabilidade dele ao mesmo tempo em que se recusa a ser o alvo da pena dos outros personagens ou do espectador.

Manchester à Beira-Mar lida com classe e de forma muito humana com a dor da perda que, por mais programada que possa ser, jamais será fácil, tampouco simples. Se assim como eu, você nunca teve que enfrentar uma grande tragédia ou trauma na vida, a nós serve de lembrete viver, através da sétima arte, a realidade trágica de muitas pessoas pelo mundo; e num mar de aventuras e entretenimento, podemos parar para refletir sobre a inconstância da vida e como cada um, de acordo com sua bagagem, reagiria em situação similar. Como sobreviver a algo tão horrendo e, pior, como continuar a viver depois de tudo. São tópicos muito humanos, que nos convidam a lidar com a realidade que é a continuidade.

Ao ir ao cinema, não se esqueça dos lenços.

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